terça-feira, 2 de novembro de 2010

Dos gatos por lebre e de como as mesas mais modestas às vezes consolam os mais exigentes

862largeEstavam 16º na rua, fazia sol e eu lembrava-me que no ano passado por esta altura já tinha caído um nevão sobre Varsóvia. Lembrava-se também dum jogo de apuramento para o Mundial 2010 entra a Polónia e a República Checa disputado em Chorzów num campo em que não se viam as marcações e que foi duramente vaporizado por incessante neve. Este outono ainda não nos brindou com tal desagradável situação e tem feito sol, coisa incomum, por isso fomos passear.

- Onde vamos?

- Vamos comer uma pizza na Cidade Velha.

Assim se decidiu, uma voltinha pela parte antiga da Cidade Capital para arejar o espírito e aliviar o corpo depois duma semana árdua de trabalho e dum fim de semana pleno de obrigações familiares. O restaurante escolhido foi uma extravagância, um dos mais renomados da cidade, propriedade do expoente máximo da gastronomia varsoviana – Magda Gessler. A Trattoria Gessler na praça central, um restaurante magnificamente decorado e muito acolhedor, foi o escolhido para um almoço tardio de feriado. Salada de frango para ela, gnocci de 3 queijos para ele porque a pizza já tinha sido esquecida, pedidos apontados em voz alta e desadequadamente forte para o ambiente intimista que a sala de comer pedia, pratos teoricamente simples e de fácil confeção. Escrevo teoricamente simples porque os ditos pratos demoraram 40 minutos a chegarem à nossa mesa, um tempo de espera inaceitável para uma casa que se gaba de estar mencionada nas publicações do género. Decidi esperar apenas cinco minutos mais e zarpar porta fora quando a dois minutos do fim chegaram os pratos, atirados como se fossem o pão e laranjas dos prisioneiros, uma salada bisonha e 22 grãos de fécula de batata postos no fundo dum prato e regados por um molho instantâneo da Maggi que de queijo só devia ter o aroma. Comemos a custo e porque tínhamos fome. O empregado da voz bruta passou pela mesa para recolher os pratos e quis saber se tínhamos gostado, eu respondi em tom de provocação: “Quer a resposta standard ou a resposta sincera?” Ele não percebeu e trouxe o terminal do pagamento por cartão não sem que antes tivesse acrescentado à mão 10% de gorjeta totalmente imerecida, o papel comprovativo do pagamento saiu amarrotado. A sorte foi que a Ewa prontificou-se a pagar senão eu tinha ignorado a gorjeta e pago apenas aquilo que me puseram à frente.

Seguimos em busca do contentamento que aquele almoço miserável nos tinha roubado e deu-me uma ideia luminosa, experimentar um botequim old-school na esquina duma rua ali perto, uma tasca onde jovens e velhos polacos se inclinam para dispararem tiros de vodca e picarem pequenas porções de petiscos nacionais. O menu é lacónico, tem menos de meia Gzikdúzia de pratos de comida, todos a 8pln e uma oferta de dez ou doze bebidas todas a 4pln. Ao todo não há mais que 15 possibilidades a dois preços. Pedimos gzik, batata cozida partida em quatro servida com queijo fresco rudemente temperado com cebolinho, tomate e salsa, sal e pimenta a gosto, um prato que não satisfará nenhum paladar sofisticado, confecionado numa taberna que não ganhará nenhum louvor Michelin mas que ganhou de goleada à casa da D. Magda em termos de simpatia e competência no atendimento. O Przekąski Zakąszki com o inefável sr. Roman na batuta, recria o ambiente espartano da PRL (República Popular da Polónia) com ementas curtas e é ponto de encontro de muitos polacos de diferentes gerações que ali começam a noite de copos ou que ali procuram afagar o estômago mas sempre recebidos com cordialidade e atendidos com respeito. Senti-me mais desejado naquela casa humilde do que no palacete da Senhora Dona e isso, para mim, faz toda a diferença.

É evidente que não volto a pôr os pés naquele antro de má-educação a que chamam pomposamente de Trattoria Bellini Magda Gessler porque para o que cobraram exijo o mínimo de boas maneiras e de profissionalismo no atendimento ao cliente. Já esta taberninha de canto na Rua Krakowskie Przedmieście ganhou um fã, no próximo fim de semana vou lá voltar para provar o resto das especialidades. Ainda por cima está aberto 24/7!

Prefiro a simplicidade das coisas genuínas do que a superficialidade das coisas artificiais, é o que vem da minha raiz e é assim que eu fui educado. Os meus avós tinham galinhas no centro de Faro e os meus tios, embora não faltasse dinheiro, sempre comeram da panela. Enquanto assim me mantiver só me enfiam o barrete uma vez.

4 comentários:

Geraldo Geraldes disse...

O eterno problema da qualidade (ou falta dela) de serviço ao cliente nos restaurantes na Polónia.
Até deviam ter um folheto nos aeroportos a informar os turistas de que: "por favor ignore o comportamento brutamontes dos empregados de mesa nos restaurantes. Não só eles ganham uma mixaria, como essa coisa de nos preocuparmos que um cliente volte ao mesmo sítio ainda não entrou na nossa mente".

fabio disse...

viu a lista do idh desse ano? A polonia alcançou portugal.

Anónimo disse...

so para dizer que o Przekąski Zakąszki tambem é da Dona Magda Gessler ! ups

PM Misha disse...

E eu sei bem disso porque não escrevo de cor. Nada do que se vê naquela casa tem o dedo dela, a fórmula foi comprada e mantida sem ser alterada um milímetro. Desde que não a adulterem terão em mim um assíduo fã.