Quanto mais perto da Igreja mais longe de Deus
Lancelot Andrewes, bispo inglês
Falar com a Kasia é sempre um prazer, rapariga inteligente e objetiva, daquelas pessoas com as quais aprendemos coisas e que por esse motivo dá gosto conversar com elas. Há muito que os nossos encontros ultrapassaram a fasquia da aula convencional de textos, gramática e exercícios. Falamos de tudo e mais alguma coisa, pisamos terrenos perigosos ao falar de temas mais sensíveis, rimos dos ridículos da Polónia e de Portugal, trocamos algumas impressões sobre temas mais pessoais, maldizemos quem temos de maldizer, louvamos quem seja digno de ser louvado, aconselhamo-nos leituras e escritores e no fim de cada um desses encontros saímos mais enriquecidos, ela com mais vocabulário e informação sobre a cultura e o pensar português e eu porque aprendi imenso sobre a história e personalidade deste povo. Contudo tanto eu como a Kasia temos um problema, uma pedra no sapato que nos impede de caminhar livremente nas ruas polacas: somos ateus.
Nos meus primórdios polacos senti na pele uma subtil mas muito presente tentativa de conversão ao catolicismo, pontuais viagens às igrejas mais próximas, uma xaropada violentíssima de duas horas (de pé) por alturas da Páscoa na cerimónia da bênção dos alimentos, um frustrado ensaio de me arrancar da cama para ir a uma missa dominical às 6:00 (aí eu ia perdendo a cabeça e quase que ofendi as pessoas) e uma (cada vez menos) discreta abordagem ao tema casamento mesmo que eu ainda não tivesse decidido se queria permanecer na Polónia a longo prazo. A maneira tradicionalista de ser neste país é consequência duma influência profunda da Igreja Católica nos setores mais primários da sociedade polaca, o tecido social com menos (in)formação está totalmente moldado pelos ditames duma organização tão poderosa que nem o Vaticano se atreve a meter o bedelho. Muito se tem escrito sobre esse peso, uma mão que conduz o rebanho quase como Kim Jong-un dirige o cardume obediente de 22 milhões de norte-coreanos que compõem a sua nação, um ditame severo que literalmente decide o que é errado e o que está certo, uma voz que diariamente avisa os ouvintes sobre os alegados inimigos da pátria polaca, inimigos esses que até no seio do seu próprio parlamento se encontram. A Igreja Católica tem braços políticos (o partido PiS) e nos media da Polónia (jornais, estações de rádio e canais de televisão) e controla os seus apaniguados por esses intermédios condicionando a informação e debitando uma quantidade absurda de lixo político nos canais de comunicação, sendo a infindável e irritante novela sobre as conspirações no acidente de Smoleńsk e a hilariante ideia de querer decretar Maria, mãe de Jesus, rainha da Polónia os expoentes máximos da sua paranóia.
Ilustrativo da daninha pressão que a Igreja faz na Polónia é o triste caso que se deu na página Wikipedia do novo papa Francisco I onde constava um capítulo referente às acusações de que Jorge Bergoglio terá colaborado com a regime autoritário militar vigente no seu país em 1976, um caso que levantou alguma polémica mas cujos elementos não são suficientes para se emitir opinião. Não fosse o Diabo tecê-las, alguém com poderes de edição na versão polaca da Wikipedia encarregou-se de apagar essa informação menos abonatória sobre o passado do ocupante da cadeira de S. Pedro mal a sua nomeação como líder da Igreja Católica foi divulgada para que o sumo pontífice não tenha a sua imagem afetada perante os crédulos e fieis seguidores da sua palavra. É um pouco triste que tal suceda, que muito do povo polaco seja manipulado por interesses claros e evidentes, talvez tão claros que encandeiam o rebanho deixando-os incapazes de pensar por si mesmos. Entretanto as linhas sobre a eventual cooperação do novo papa com a Junta Militar foram repostas no website, mas da péssima impressão que o incidente causou já ninguém se livra. Apetece dizer "Deus nos livre do PiS ganhar uma eleição outra vez".
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