Já dizia Miguel
Esteves Cardoso que os períodos assim-assim são os mais difíceis
de suportar, não têm o épico dos grandes momentos nem a profundeza
histórica das tragédias funestas, são tempos cinzentos, baços,
discretos dos quais nada digno de realce há a apontar. Corre agora
um rio de tempos assim, de caudal manso e pardo tal como o céu de
Varsóvia, cinza e bisonho que não é pão nem bolo, não é céu de
inverno porque esse até é mais limpo nem é céu de primavera
porque não despeja sol na cidade. Antes tapa-a com um lenço grosso
de fraqueza como se abafasse as pessoas privando-as de ar e de
vontade, deixando-as apagadas e sem chama. É o devir deste
inexorável clima, chupa todo o sangue e a alma das gentes até que
estas se transformem em ambulantes sacos de ossos e pele que vagueiam
pelas ruas em piloto automático. Os novos combatem este estado de
coisas com telemóveis conectados a amigos e redes sociais, palram
combinando encontros ou comentam publicações, outros fumam
violentamente enquanto sobem as cruéis escadarias da rua Obożna. Os
meões de idade, ou quase meão no meu caso, andam no fio da navalha
arriscando a queda na depressão se não reagem categoricamente ao
estado de moleza que o tempo impõe, a disputa entre querer voltar
para casa e o aborrecimento depois de ter lá chegado consome a maior
fatia do tempo livre e não é aconselhável martelar muito sobre o
tema.
Já houve algumas
manifestações a uns extemporâneos raios de sol aqui há um par de
dias, cantaram-se logo odes à primavera e ao bom tempo que já aí
vem e vitoriando o soalheiro fim de semana que se prevê.
Contentam-se com pouco, penso eu com a experiência de uma trintena e
pouco de anos passados a curtir a pele ao sol algarvio, compreendendo
a euforia algo desmedida mas pondo água na fervura ao olhar para o
calendário. As folhas estão em fevereiro e a norma diz que este é
um dos meses mais frios do ano, excecionalmente passamos mais de
metade do mês acima de zero graus, não neva desde não me lembro
quando, mas isso não significa que já se pode tirar as sacas de
carvão da dispensa e preparar os churrascos típicos do advento
primaveril, recordo-me muito bem de não muito pretéritas tardes de abril em que a primavera já era adulta e eu ainda apanhava com flocos de neves nas ventas, por isso tenho modero sempre o otimismo quando espreita o sol apesar de em meu redor as pessoas já andarem frenéticas.
O inverno não tem sido
mau, não temos tido aquelas noites polares de -20º C que congelam a
cartilagem da orelha e acho que só por uma meia-dúzia de vezes usei
cachecol. As ceroulas só foram ponderadas uma vez, dormi sempre de cobertor escusando o edredão de penas a trabalhos forçados, não está a ser dos invernos mais rigorosos que passei. Mesmo assim, acho que prefiro esses dias de barbeiro do que
os dias que correm em que nada há de bom nem de mau. Antes pelo
contrário.
PS – Quer dizer, até
houve. Houve um chocolate tático que Mourinho deu em Nou Camp. Há
pessoas – portugueses, digo – que insistem em minorar os feitos
de José Mourinho e Cristiano Ronaldo. Esses cegos, para não lhes
chamar estúpidos, não devem (ou são mentecaptos o suficiente para não conseguirem) compreender que estes nossos dois
compatriotas devem ser os únicos agentes com dimensão global que
contrariam a imagem internacionalmente acolhida de que Portugal é
uma terra de corruptos, incompetentes e preguiçosos. Mourinho e
Ronaldo são embaixadores mundiais do talento português, da
qualidade portuguesa e do saber português. Tapar estas virtudes com
ninharias de “o Cristiano é vaidoso” ou “o Mourinho é
arrogante” é de uma tacanhez e de uma infelicidade de espírito
indescritível, particularidades das quais o meu país está
infelizmente a abarrotar. Tomara eu que tivéssemos Mourinhos e
Cristianos no Parlamento...
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