A minha condição de emigrante permite-me ter um olhar mais frio sobre as coisas de Portugal, vejo diariamente as mesmas notícias que se vêem em Portugal, assisto aos mesmos filmes e séries que passam em Portugal e estou perfeitamente atualizado com a realidade portuguesa, para o bem e para o mal. No entanto, estar fora de Portugal poupa-me em parte aos estragos que a vida portuguesa tem causado à pessoas, não sinto na pele (e na psique) o peso da dita austeridade, não me cortaram regalias nem bónus nem direitos constitucionalmente adquiridos há décadas, não me baixaram o salário. Não quer isto dizer que passe incólume ao sacrifício que os meus compatriotas estão a passar porque tenho interesses e património em Faro e este ano já levei uma martelada do IMI, não posso usar a Via do Infante gratuitamente como é meu direito sem pagar uma ilegal taxa e andar de automóvel com a gasolina a quase 400$00 o litro é como se fosse uma exibição de riqueza, ainda por cima perco sempre dinheiro em comissões sempre que troco os meus suados zlotys por euros, outra dentada no orçamento.
Portugal passa por uma crise económica, financeira mas também de identidade e de valores. Os portugueses deixaram de confiar nos outros, neles próprios, já não confiam em ninguém e procuram orientar-se como podem entrando numa dinâmica perigosa de planear as coisas a curto prazo, até ao fim do mês no máximo porque a coisa está preta e ninguém sabe quando (nem se) vai melhorar. A ambição dos portugueses, que devido à herança salazarista sempre foi modesta, está ainda mais limitada, os horizontes cada vez mais curtos e a capacidade de reivindicar embotada. O português está a ficar conformado, resigna-se ao estado que chegaram, não bufa nem chia, parece que voltámos aos anos 70 tão bem retratados na série "Conta-me Como Foi". Estamos a viver um Portugal pequeno espiritualmente, de pouca produção crítica, limitado intelectualmente, mediano, medíocre.
Parece ser essa a nova ordem em Portugal, ser medíocre. O nível, a bitola pela qual as instituições se regem é a mediocridade. Não devemos ser excelentes, não podemos sobressair na nossa atividade profissional, não nos é permitido ter talento acima da média, ter qualidade no que fazemos ou ter razão no que dizemos. Damos mais valor ao gajo que deu uma banhada na empresa e fugiu com a guita para o Brasil do que ao funcionário que graças às suas competências fez a companhia progredir. O português que é bom é sempre visto com escárnio ou ciúme nem que seja um português que diga a verdade ou que eleve o nome da Pátria, são pretensiosos e altivos, não gostamos deles. Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados tem opiniões desassombradas sobre a (in)justiça portuguesa, fala do que sabe e assinala as coisas que têm de ser corrigidas, aponta erros, traça rumos para a melhoria do estado de coisas e qual é a opinião dos portugueses (que pelo menos sabem quem é Marinho Pinto) sobre ele? Ah, é um fala-barato, faz muito arrozoado. Henrique Medina Carreira e José Cravinho põem o dedo na ferida em cada intervenção pública, chamam os bois políticos pelos nomes e falam claro, preto no branco, sem concessões nem favores a pagar. São desacreditados pelos seus pares, estão velhos e ultrapassados, não têm credibilidade, ninguém os ouve nem presta atenção. Cristiano Ronaldo e José Mourinho transformam em conquistas as ligas futebolísticas que disputam sejam portuguesa, inglesa, espanhola ou europeia – até italiana no caso de Mou - , são ícones da excelência portuguesa que têm orgulho em se afirmarem portugueses. O que dizem os seus compatriotas? O Mourinho é um convencido, O Ronaldo é piroso, o Mourinho é antipático, o Messi é melhor que o Ronaldo. Como é possível?! Como se pode branquear o valor de Mourinho só porque ele não se ri nem diz ámen a tudo? Como se pode minimizar as conquistas do melhor treinador do mundo só porque ele afirma publicamente o óbvio, que é excelente, que é o melhor e que não tem pontos fracos? Sempre ouvi dizer que “quem diz a verdade não merece castigo” então porque castigam os portugueses Mourinho e Cristiano Ronaldo? Porque Ronaldo comeu a Paris Hilton e nenhum outro português lá foi? Porque Ronaldo visitou países que nenhum outro português visitou? Porque Ronaldo ganha o que nenhum outro português ganha? Exemplo dessa mentalidade pequena é um familiar meu que passa o tempo a ganir e a gemer que não é rico, não sei se por inveja ou por feitio, mas tenho a certeza que passou muito mais tempo a olhar para a riqueza dos outros em vez de olhar para dentro e fazer a pergunta que se impõe: Não sou rico porquê? A que se deve o facto de eu não ser rico?
Estes portugueses que acima mencionei são alguns dos que têm autoridade no seu ofício mas que são ostracizados pelos seus compatriotas precisamente por serem bons naquilo que fazem e que dizem, por não serem medíocres. Portugal está de tal maneira formatado pela mediocridade que perdeu a palavra e a coerência. No princípio do ano o país levantou-se pela raiz a protestar contra a deslocalização de uma parte da operação da Jerónimo Martins para a Holanda para beneficiar de uma melhor lei fiscal, um princípio igual ao de qualquer português que aceita o pedido de transferência do seu crédito à habitação para um banco que lhe oferece melhores condições, nem que o banco seja espanhol ou inglês. Coisa corriqueira e que não oferece contestação na minha insignificante opinião. Uai mãe! Aqui d’El-Rei que o Pingo Doce é uma cambada de Miguéis de Vasconcelos, boicote ao Pingo Doce, incendiemos os supermercados dessa corja de ingratos, nem mais um tostão que se gasta nas lojas deles para aprenderem como é! 120 dias depois o Pingo Doce abana um rebuçadinho em frente aos portugueses e eis que eles mandam às malvas todo o puritanismo que evidenciaram e entopem as lojas, varrem prateleiras, lutam, soqueiam-se, mordem-se e esgatanham-se por (literalmente) um punhado de lentilhas. As imagens da campanha chegaram-me a casa, em Varsóvia, e eu tive de olhar bem para a televisão para ver se não estava a assistir a alguma peça sobre uma ação de entrega de alimentos num campo de refugiados da Síria ou do Darfur. Encheram os carrinhos, carregaram a chata sem se lembrarem das loas e pragas que tinham rogado à Jerónimo Martins, borrifaram-se para a sua própria palavra. Uma vergonha!
Os portugueses elasteceram a espinha, tornaram-se cataventos, vão grogues atrás do flautista, perderam identidade e credibilidade, valores. Portugal está tornado numa terra onde os medíocres é que governam, os incompetentes ocupam as cadeiras de poder e os incapazes tomam decisões. Temos o país que temos graças ao povo que somos, não merecemos melhor nem pior pois esta é a colheita lógica do que semeámos por sermos um povo inerte e incapaz de pensar pela sua própria cabeça. Esta é por definição uma circunstância perigosa para se augurar algo de positivo no meu país. Como se diz onde eu nasci, Portugal está mal deitado e não estou a ver jeitos de melhoras.
9 comentários:
Grande Sovi... nem mais!!
Quem faz um país são as pessoas que lá moram. Os políticos, portugueses são. Não haja ilusões, Portugal sempre assim foi e disto não passará: já dizia o meu avô.
Grande texto... parabéns
Nuno... não te esqueças que a inquisição governou Portugal de forma totalitária entre 1534 e 1822. São 300 anos a destruir o carácter a personalidade dos portugueses. Se contares com o Estado Novo, que nos anos de 1950 anunciava que a rusticidade e modo de viver da população dispensavam a necessidade de saber ler e escrever, ficas com mais 50 anos de estupidez.
Ora com 350 anos de atraso, desistência e cobardia às costas, não se peça ao povo que evolua do dia para a noite. Isto leva o tempo que levar (talvez outros 350 anos) e que só poderá ser acelerado pelo convívio com outros povos mais avançados.
anónimo,
os teus argumentos são válidos para explicar e justificar muita coisa, mas não tudo. na minha opinião os princípios duma pessoa não tem nada a ver com o grau de literacia, os valores pelos quais um homem se rege não tem nada a ver com habilitações literárias e a coerência duma pessoa não tem nada a ver com o grau de ignorância.
os portugueses de hoje não assim são estúpidos, pelo menos eu quero acreditar que não são, nem os portugueses de outrora são tão estúpidos quanto eram no tempo do bota de elástico. pelo contrário, há mais chicos-espertos hoje do que em nenhum outro período da nossa história, prova que há inteligência em portugal. o problema é que a inteligência que trabalha no "dark side of the force" é mais enaltecida e invejada do que aquela é posta ao serviço das populações...
... pensando bem e relendo o que escrevi agora, acho que tens razão. deve ser mesmo uma questão de estupidez.
O nosso Pais está como está não apenas e só por causa dos Políticos. Esses deveriam ser chamados à responsabilidade. Sempre que aparecem casos graves de corrupcão todos sabemos bem no que vão dar. Se estamos mesmo mal é porque a dualidade Zé Povinho-Políticos assim o permite.
Quando em Portugal se premeia e até se promove a "Chicoespertice" então como posso ficar admirado? Os nossos políticos de uma forma muito subliminar estimulam a isso Ao que parece cada um está a espera de fazer o mesmo tipo de golpe e se puder com envergadura maior. O povo parece que gosta do que se passa. Se assim é então continuem. A mim não me apanham lá mais sem ser para passar férias e digo isto com peso na alma.
O que me iria admirar era se alguém viesse a terreiro fazer barulho de forma a abalar a estruturas do poder que está estabelecido em Portugal.
Os partidos políticos não se queixam da rotação no poder. Cada um aproveita a onda. Todos tem os seus benefícios então para quê fazer muito barulho?
Não saí de Portugal por causa das meninas Polacas (que são umas deusas) mas porque a mentalidade do meu pais não me interessa e porque os valores que temos por lá não tem nada a ver com aquilo que defendo. São precisas mais revoluções para que a coisa mude.
Não referi nem Ronaldo nem Mourinho. O meu sentimento Patriótico apela a que Ronaldo ganhe a bola de ouro da FIFA. O meu olho desportista e apreciador da arte de jogar futebol diz-me que como jogador só não vê quem não quer mas Messi esta uns passos acima de Ronaldo. Não sou adepto nem do Barca e pouco menos do Real mas Mourinho merece respeito pela obra feita. Posso não gostar do estilo, etc mas há que respeitar o Zé. (Prefiro o velho de Manchester como melhor treinador da bola. Neste aspecto são apenas gostos).
ryan,
estou de acordo contigo em quase, quase tudo, até no sentimento que temos por portugal. só não concordo contigo num par de coisas:
não acho que messi esteja uns furos acima do cristiano ronaldo. ronaldo marca de cabeça, de pé esquerdo, de pé direito, de bola corrida, de bola parada, em jeito, em força, marcou em portugal, na inglaterra, na espanha, na europa, na seleção. messi marca muito mais golos mas marca-os sempre no mesmo sítio, é quase como jogar fifa em que és pentacampeão contra o computador mas nunca jogaste contra um oponente humano.
eu também gosto muito do sir alex, não fosse ele treinador do meu united, mas o mourinho chegou e lá sem pedir licença levou dois títulos para o chelsea e deixou o velhote de boca aberta.
quanto ao resto, assino por baixo.
Quanto ao duelo Ronaldo-Msssi não retiro nem sequer uma letra ao que referi.
Patriotismo e clubismo aceito-os quanto ao resto rever os golos do Messi durante toda esta época. De certeza de que vais encontrar para todos os gostos.
Caro comentador,
Descobri o seu site por mero acaso.
Concordo na totalidade com as suas opiniões sobre Portugal, os portugueses e os políticos que temos.
Os portugueses são demasiado passivos ou comodistas.
Fui emigrante nos EUA durante quase 30 anos. Regressei a Portugal há 12 anos, acreditando que Portugal tinha melhorado. Não tardei em compreender que estava errado.
Há alguns anos criei o domínio: opaisquetemos.com, onde tenho feito comentários sobre os acontecimentos do país. Este mês, transferi o meu site para: opaisquetemos.wordpress.com
Gostei do seu site, e vou começar a ser um dos seus frequentes.
leitores. Ainda bem que há portugueses para além fronteiras que se interessam pelos acontecimentos no país. A maioria dos emigrantes ignoram totalmente.
Cumprimentos
Carlos Piteira
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