Há mais de doze horas que tem caído neve, uma precipitação que cobriu toda a cidade e que não tem ar de que não vai parar nos próximos dias. A temperatura desceu para números perto dos –5º, a primeira vez que cai em valores negativos depois do verão, e veio acompanhado duma nevasca intensa prometendo mais descidas (até aos –18º na quinta-feira). Lembro-me que em 2009 nevou muito mais no outono do que neste ano e que essa neve precoce de então deu o mote para um inverno excepcionalmente longo e frio, gelado mesmo. Lembro-me também de ter passado muitos meses sem ter visto a cor do chão, sem ter calçado sapatos desportivos e de ter reforçado o stock de meias turcas. Lembro-me até de ter pensado em comprar “peúgos das raquetes” para servirem de meias de enchimento para aquecer melhor os pezinhos. Este ano a guerra já começou.
Acordei tarde como em todas as segundas-feiras, o relógio batia nas 11:00. Recuso trabalhar nas manhãs de segunda para que a entrada na semana de trabalho seja mais suave e simpática, assim posso progressivamente habituar-me ideia de ter de começar a dar ao cabedal, tenho tempo de ler os jornais e e-mails, dar um jeito à casa, fazer as compras necessárias para a semana e entrar em cena devagarinho. Começo a trabalhar às 15:00 e aí já estou bem desperto e capaz de dar o meu melhor a quem o espera mas há um coisa que sempre me incomoda seja a que horas fores – sair de casa.
Hoje puxei as cortinas e enquanto aquecia a água do café espreitei a manhã alta assustando-me com a brancura da rua, uma brancura tal que nem deixava ver marcas de pneus de automóveis. Imaginei o frio exterior que nem uma golfada de café com leite amainou e agradeci-me ter feito a barba ontem à noite porque não há sensação do que ir para a rua de cara recém-barbeada com este tempo, os flocos de neve que caem na pele parecem minúsculas brocas de diamante gelado que perfuram o rosto provocando dores lancinantes. Depois de concluídas as atividades descritas no parágrafo anterior tomei fôlego e saí para atacar a vida, levando logo uma estalada de ar frio quando despejei o lixo no contentor do prédio e atolei os pés num poço de neve onde provavelmente acaba o passeio e começa o arruamento. Senti logo os vasos capilares dos dedos dos pés a queixarem-se, a contrairem-se, a reclamarem do desconforto e a levarem-me de volta para o quente edredão de penas que me consola à noite. Não pude voltar atrás e saí temerário patinhando entre buracos de neve traiçoeira e respirando pela boca para não queimar as narinas com o ar gélido que se respira. Entrei na estação do metro e retirei os dois capuzes dos casacos que tenho vestidos devido à agradável diferença de temperatura, é curioso que tenho vontade de despir os casacos apesar do temómetro da estação (e das carruagens) não subir para muito mais do que 10º ou 12º mas para quem vem de –4º até apetece pôr-se em mangas de camisa. Alguns funcionários da câmara munidos de grandes pás afastavam a neve suja das entradas para que as pessoas pudessem passar, outros lançavam sal-gema à mão para derreter o gelo, um sal-gema assassino que desgasta os sapatos e rói os pneus e o metal da parte de baixo dos automóveis, um mal necessário. O trânsito é pouco menos que impossível, a Sónia mandou-me uma mensagem dizendo que fez cem metros em uma hora numa das mais largas avenidas de Varsóvia. O meu carro está sossegadamente trancado na garagem e não o vou castigar com cruzeiros inúteis e prejudiciais pela lamaçal em que se tornaram as ruas da Cidade Capital quando consigo funcionar perfeitamente com os transportes públicos, certeiros e pontuais, sem filas nem gastos acrescidos. Via os limpa-neves a atirarem a neve para cima dos carros estacionados na berma das ruas, estalactites a pingarem das chapas de matrícula, e a jogar sal-gema para o asfalto e pensava que nem tão cedo o meu querido automóvel vai ver a luz do dia.
Voltei tarde depois de ter mastigado uma supersandes com batata frita num bar americano enquanto assistia ao clássico espanhol na companhia de amigos polacos, canecas de litro e copinhos de vodca a cada golo culé, uma quase bebedeira no último metropolitano para Ursynów. A sensação conhecida de ter acabado bem um dia que foi quase todo recheado de impressões negativas. Assim é Varsóvia, põe-te à prova durante o dia todo para no fim do mesmo dar-te um rebuçadinho que te faz querer mais dela no dia seguinte.
2 comentários:
Por vezes penso como somos capazes disto tudo. Deve ser o efeito da Primavera que nos faz esquecer rapidamente este calvário até Maio ou Abril.
Ou então são as polacas, essas malandras - o melhor que a Polónia tem para oferecer a um estrangeiro, especialmente para um latino...
Caramba... ta um frio... e neve então cada ano que passa parece que cai ainda mais... E isto e apenas o principio. Veremos o que ainda ai vem. O que nos vale e que as Polacas ajudam-nos imenso nestas agruras do tempo.
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