sexta-feira, 16 de abril de 2010

Polónia – dia 6

Minha Querida Polónia:

Ninguém pode calcular a tristeza que te invade depois de teres perdido a nata da tua classe política, diplomática e militar no acidente do passado domingo. Foi um caso que sensibilizou a Comunidade Internacional e que não deixou ninguém indiferente, conseguiste ver que a Rússia quer ser tua amiga e deitar o passado para trás e viste todos os teus colegas a mostrarem solidariedade e comoção, fazendo até menções de estarem presentes no funeral do teu presidente. Não podes dizer que ninguém prestou atenção, estamos todos contigo para te dar força e ânimo neste momento difícil. Eu falo pelos portugueses residentes em Varsóvia e posso afiançar-te que sentimos esta tragédia como nossa, como se tivéssemos perdido o nosso primeiro-ministro nas mesmas circunstâncias.

Mas, Polónia, há coisas que não compreendo. Diz-me lá porque é que vão sepultar Lech Kaczyński na Catedral de Wawel, se nesse espaço só estão antigos monarcas ou heróis da Tua História? Achas que Kaczyński teve a mesma dimensão que o Marechal Piłsudski? Ou a mesma grandeza que Mickiewicz? Explica-me quais foram os critérios que seguiram para considerarem Wawel como a última morada do presidente Kaczyński e não a do último presidente-no-exílio Ryszard Kaczorowski? É porque este último senhor foi efetivamente um herói, sobreviveu à II GG, comandou o Governo da Polónia desde fora do país enquanto este sofria com a ocupação soviética, mas vai ser enterrado num cemitério normal como todas as pessoas normais. Será que Kaczyński é um Herói Nacional? Ter-se-á destacado nalgum campo específico da história polaca? Para onde irá Lech Wałęsa quando morrer, vais seguir o mesmo precedente? E se Kaczyński tivesse morrido um dia depois de causas naturais, enterrava-se o corpo ao lado de Jan III Sobieski à mesma? Kaczyński era tão amado pelo seu povo quanto todas as figuras que estão sepultadas em Wawel? Os livros de história referir-se-ão a Kaczyński com os mesmos adjectivos que os seus vizinhos de tumba?

Eu tenho assistido ao desfile de alarvidades que leio todos os dias com a maior contenção e serenidade, não tenho legitimidade de me pronunciar sobre um assunto que não diz respeito à minha nacionalidade apesar de sentir a Polónia como meu país adotivo. Tenho lido a bárbara sugestão do padre Ryzyk de que o acidente foi um complot da PO mas esse imbecil só diz asneiras cada vez que abre a boca e não vê que estavam bastantes altos funcionários do mesmo partido PO entre as vítimas. Prestei homenagem às vítimas com a minha vela e flores, emocionei-me a sério e nem vi o Real Madrid – Barcelona com o meu pessoal como tinha combinado porque não me senti em condições de borgar, respeitando o pesar geral. Tenho também acompanhado esta novela do Wawel e tenho imaginado como se tem sentido a coitada da filha de Lech Kaczyński que parece ser a pessoa mais sensata deste enredo.

Mas, Polónia, a hipocrisia tem limites. Quando eu disse que nós – portugueses em Varsóvia – sentimos esta tragédia como se tivesse morrido o nosso primeiro-ministro eu queria dizer tal e qual isto: Que teria morrido um símbolo do país, é verdade, mas no qual ninguém se reconhecia. Bolas, Polónia! Tu não gostavas de Kaczyński, ninguém gostava dele, ele pouco fez para engrandecer a nação. Bem pelo contrário, foram mais as situações em que ele a embaraçou com as suas ideias demasiado conservadoras e nacionalistas. Ele ia perder as próximas eleições presidenciais, eram mais as pessoas que o queriam ver pelas costas do que as que o apoiavam, porquê esta fantochada toda de quererem encontrar-lhe as virtudes que ele não tinha? Era patriota? Era sim senhor, tal como todo o bom polaco que facilmente dá um braço pela Águia Branca. Era um democrata? Pois era, mas não mais que o comum polaco que passava horas debaixo de neve numa fila para comprar pão e papel higiénico. Então porquê todo este festival e porquê estas tentativas de endeusamento do senhor Kaczyński? Um funeral de Estado não seria suficiente para homenagear um Chefe de Estado?

E que diabos de ideia é esta de proibirem a venda e o consumo de bebidas alcoólicas em todo o país durante todo o próximo fim-de-semana, está tudo histérico ou começou uma caça às bruxas?

Polónia, minha querida… Desce à terra e sê razoável. Estamos todos verdadeiramente tristes mas não vamos transformar um acidente trágico num martírio em prol da causa polaca, os portugueses nunca iriam sepultar José Sócrates no Panteão Nacional tal como não fizeram com Francisco Sá Carneiro. Mais, Kaczyński foi a Smolińsk sem ser convidado oficialmente, foi por sua iniciativa e não estava oficialmente a representar o país.

Apresentando o meu profundo pesar mas apelando também às tuas serenidade e sensatez coletivas, saúdo-te como teu incondicional admirador e irreversível apaixonado.

Nuno

5 comentários:

Ryan disse...

O que eu penso tu pões em palavras no blog. Lá vou dizendo que não tenho nada a ver mas disfarço o mesmo que tu dizendo que o Sócrates não merecia um Wawel aos meus colegas Polacos.
Começo a pensar que afinal a Igreja interfere demasiado na Polónia e o resultado está nesta decisão de sepultar num lugar de heróis um homem que não é herói. Enquanto vivo Kaczyński defendeu a Igreja Católica agora é a vez das cúpulas da Igreja o homenagearem. Para mim não é mais nada que isso.

PM Misha disse...

"Começo a pensar que afinal a Igreja interfere demasiado na Polónia"

só agora é que te apercebeste disso? como pensas que os gémeos chegaram ao poder?

Ricardo disse...

Poderia nem deixar um comentário por concordar com o que foi dito.

Misha poderias colocar no artigo que os portugueses na Polónia sentiram com grande desgosto e consternação este momento da História da Polónia.

Este país que nos acolheu, a segunda pátria para muitos de nós, é de facto dominado pela Igreja de Roma e pela Santa Sé. Quem congrega essa fé estara aqui como peixe na água.

O caso de Wawel deixa-me a pensar em várias coisas sendo uma delas o facto da Igreja mostrar mais uma vez a sua influência avassaladora nos destinos de um país laico e também a divisão que vai causar no país. Existe a Polónia dos "velhos do Restelo" e a Polónia moderna.

Cada um vive naquela que lhe serve melhor e na qual se sente bem. Tendo em conta que concordo com o que foi dito está claro na qual quero viver e de qual gosto mais.

PM Misha disse...

ricardo,

concordo com tudo o que disseste mas... tens a certeza que a polónia é um estado laico?

Ulisses Iarochinski disse...

caro Nuno,
tomei a liberdade de transcrever teu post em meu blog... por favor, não me reprima. Confirá em http://iarohinski.blogspot.com

Ulisses Iarochinski