sábado, 10 de abril de 2010

Luto

luto Esta manhã a Polónia acordou sobressaltada, transpirada como se tivesse tido um pesadelo. Acordou ao som de SMSs, de telefonemas, de notícias perdidas e meias palavras. Ensonada, a Polónia acendeu a televisão, consultou a internet, esfregou os olhos incrédula e despertou cruamente ao som de uma tragédia: Um acidente aéreo vitimou o Presidente da República e uma comitiva constituida por altas individualidades do aparelho de Estado, da banca e do Exército. Eram 9:00 em Varsóvia quando, num instante, a Polónia perdia a sua cúpula política entre acessores do Presidente, ministros e deputados.

Este acidente inspirou muitas reflexões a partir de diversos quadrantes da sociedade polaca, aqui publico a minha. É incrível a quantidade de catástrofes a que a Polónia tem sido submetida desde sempre, as guerras, as intempéries, as invasões e ocupações, o sufoco Nazi e posteriormente Soviético. Parece que a Polónia está destinada a sofrer,a penar um sofrimento infinito que parece ter tréguas mas que ciclicamente regressa e inflige graves feridas. É de uma ironia macabra que altas patentes do Exército Polaco tenham morrido a caminho duma cerimónia que se destinava a selar o perdão oficial da Rússia pelo Massacre de Katyń sucedido há exatamente 70 anos. É também curioso constatar que o primeiro-ministro polaco Donald Tusk tenha estado no mesmo local a convite do seu homólogo russo apenas 3 dias antes do acidente. Outra curiosidade prende-se com o facto de Wojciech Jaruzelski também ter sido convidado para as celebrações, uma situação que causou grande celeuma por se considerar “escandaloso” que um dos principais responsáveis pelo regime opressivo da antiga República Popular da Polónia fosse representar o País na cerimónia. Jaruzelski acabou por declinar o convite depois de instalada a controvérsia e ficou em Varsóvia.

Agora discute-se muita coisa, que o Tupolev Tu-154M presidencial já tinha mais de 20 anos e que já se tinha equacionado (e sucessivamente adiado) a sua substituição, que foi um erro crasso ter colocado tantos dignatários da Nação na mesma aeronave - a amputação de tão importantes funcionários irá certamente despoletar uma crise institucional no seio da Polónia – e até uma horrorosa versão que classifica o desastre como uma manobra de martirização por parte de Kaczyński para que o Massacre seja lembrado para sempre como um ato indelével das intenções diabólicas da Rússia / URSS para com a Polónia.

Factual é apenas a informação que o avião caiu à quarta tentativa de aterragem, que as condições atmosféricas eram péssimas com nevoeiro cerrado e que a própria torre de controlo do aeroporto sugeriu que a aeronave aterrasse em Moscovo ou na capital bielorrusa Minsk. A caixa negra que já foi encontrada poderá ajudar na resolução deste mistério que resultou na morte de todos os 98 ocupantes do avião presidencial e no luto de 40 milhões de pessoas.

Mais uma vez a Polónia sofre as suas perdas, mais uma vez a Polónia chora os seus mortos, mais uma vez o patriotismo polaco é chamado, mais uma vez a resiliência dos polacos é posta à prova, mais uma vez a História se repete.

O meu avô era católico, uma vez disse-se descontente e descrente porque parecia-lhe que “quanto mais as pessoas acreditam piores coisas lhes acontecem”. A Polónia, como país profundamente católico, tem sofrido horrores desde que o tempo é tempo, não há memória de um povo e de um território tão sacrificados na sua existência. Mais uma vez o Destino mergulha a República na tristeza e na dor, uma dor que parece ser uma cruz que a Polónia terá eternamente de carregar enquanto o tempo for tempo. Um trabalho de Sísifo, um fado que esta terra – que nunca se rendeu – vive constantemente.

As minhas profundas condolências e respeitos para a Polónia, que nunca perecerá enquanto nós vivermos.

5 comentários:

João Tavares disse...

Estou de cara no chão... acordei com a mesma sms, e ainda não acredito...
:X

Anónimo disse...

Sabemos todos que a morte é um acontecimento triste e que havendo tantas vítimas como no acidente de sábado, mais são as razões para a tristeza. Sabemos também que o facto de as vítimas serem pessoas de reconhecida importância social faz com que a dor seja, de alguma forma, mais sentida. No entanto, há que saber medir as coisas. Colocar o acidente no rol das tragédias que assolaram este país é absolutamente desnecessário. Um acidente é um acidente, coisa muito diferente das ocupações alemã e russa, por exemplo. Dizer, como disseram os dois últimos presidentes polacos, que isto é uma espécie de "Katyn n.º 2" é uma falta de respeito. Em Katyn foram assassinadas milhares de pessoas. Assassinadas. Isto trata-se de um acidente, provocado por erros ou por uma combinação de factores. As maldições não existem. Houve erros de várias partes. Deu-se um acidente. Triste como é, tristíssimo, não deixa de ser um acidente. Compará-lo ao sofrimento de que o país foi vítima nos últimos tempos parece-me absurdo.

Mário

PM Misha disse...

É certo que é um acidente, a falha humana já foi apontada como causa, mas um acidente que coloca a Polónia numa situação de instabilidade política e social perfeitamente escusada numa altura em que vivia um período sossegado - se compararmos com há 20 anos.

Este acidente, tão próximo do de há dois anos onde morreram os melhores pilotos e alguns generais da Força Aérea, são efetivamente casos de má sorte mas, na minha opinião, uma sucessão de infortúnios assinalável que não tem paralelo em mais nenhum país que eu conheça.

Ryan disse...

No teu ponto de vista terei de concordar que há muitas coisas em cadeia para que uma tragédia destas aconteça.
Não sei o que se passou e talez nunca iremos saber. É certo que tragédias têm feito parte de vários povos e obviamente como estamos neste país e consumimos as notícias também deste país tenho de concordar que há coisas em demasiado. Mas há outros que sofrem demasiado e que nós não sabemos. Talvez na Europa a Polónia é dos países que mais sofre.
Realmente não sei exactamente porquê. Há coisas que direi por negligência e outras poderia dizer por sei lá quê.

Rogério Charraz disse...

Realmente, um povo sofredor. Será o seu... fado?!