quarta-feira, 21 de junho de 2017

Instalar ou não instalar antena parabólica, eis a questão. Ou uma reflexão sobre o estado da imprensa portuguesa - I

PaineleirosEsta é a quinta minha casa em Varsóvia. A primeira era junto à estação de Metro Wilanowska e lá morei com a minha primeira namorada polaca, depois passei para Natolin onde passei três estrondosos anos até que me mudei para Bemowo para partilhar teto com a minha segunda legítima e daí saltei rapidamente para Tarchomin naquela que foi a minha habitação mais duradoura. Agora estou radicado em Bielany depois de ter juntado os trapinhos com a Lena e pela primeira vez posso instalar uma antena parabólica numa casa partilhada, felizmente o apartamento está virado para poente e esta orientação permite a instalação do equipamento necessário para eu acompanhar a atualidade do meu país. Já chamei o técnico e conto as horas que faltam para poder ouvir o idioma de Camões ecoar na sala de estar.

Há algum tempo deixei de consultar jornais portugueses porque a imprensa portuguesa desceu a um lamaçal para o qual recuso contribuir, notícias sensacionalistas, muito fake news, textos copiados de outras publicações sem a devida referência, afinal o reflexo da crise de pensamento crítico que grassa em Portugal. As pessoas adotaram o facebook como fonte de conhecimento por dar menos trabalho, demitiram-se da função de refletir e funcionam como meros retransmissores do que lhes é enfiado pelos olhos e ouvidos abaixo. Por estas e outras razões o sinal televisivo de Portugal é indispensável para eu saber o que se passa na minha terra, a televisão consegue ser mais fiel à proveniência da notícia, posso calmamente evitar o comentário muitas vezes parcial de “paineleiros” engajados de acordo com as suas preferências clubísticas e crio o meu próprio juízo com menos influência exterior do que através da imprensa escrita.

Porque adoro futebol, a televisão é essencial para seguir a Liga Portuguesa e o meu Sporting (enquanto o Farense se encontra fora dos grandes palcos), perceber como está a ser preparada a nova temporada, quem vem e quem sai e também as movimentações dos outros clubes. Para minha grande infelicidade não tenho grandes hipóteses de saber o que realmente se está a passar porque constato que no domínio do futebol a imprensa (escrita e falada) está altamente instrumentalizada e a informação isenta nunca chega ao ouvinte/leitor. Não é possível ao consumidor de informação formar uma opinião objetiva com base naquilo que lhe é dado porque está tudo viciado. É inacreditável o vergonhoso estado de servilismo a que os media portugueses chegaram com maior vexame sendo protagonizado pela imprensa desportiva, a despudorada complacência com que aceitam os ditames impostos por um maestro que, ao movimento duma batuta, introduz no tema as trompetes, percussão ou violinos que interessam tocar consoante o som que seja conveniente ouvir no momento.

A imprensa é considerada “O Quarto Poder”, formata povos, cria opinião, faz e destrói ídolos, políticos, modas, mitos. Uma imprensa controlada é um povo manipulado, subordinado. Não há melhor maneira de se fazer assimilar um conceito do que através da repetição sistemática na imprensa, se o virmos repetidamente começamos a acreditar nele, a Prismas diferentesrespeitá-lo, a aceitá-lo. Não importa se é verdade, a ideia tantas vezes é repetida que acabamos por a assimilar como verdadeira. Foi assim que George W. Bush derrubou Saddam Hussein, foi assim que Deu-La-Deu Martins ludibriou os castelhanos, é assim que se mantém um povo inteiro em delírio. Naturalmente que os portugueses não são tão idiotas como os norte-americanos nem tão historicamente inapto como os castelhanos (ou seus legatários), porém quando toca a futebol todo o discernimento se dissolve. Gente por natureza tranquila e ponderada transforma-se em samurais armados até aos dentes em defesa do seu emblema e nessa bebedeira mesmo pessoas que eu considero inteligentes conseguem mandar bojardas capazes de fazer o planeta parar de girar. O mais curioso é que nem sempre foi assim, antigamente falava-se de bola com amigos de clubes rivais sem qualquer melindre, celebravam-se as vitórias próprias e respeitavam-se as derrotas alheias, coexistia-se sem problemas. Depois surgiram programas televisivos de debate, uma boa ideia em teoria mas que na prática acabou por ser um detonador de insultos e um instigador de conflitos. Em vez de se convidarem jogadores chamaram advogados, em vez de convocarem treinadores trouxeram políticos. Gente de fato e gravatas com palavras de cem euros, a receita infalível para impressionar o tuga (diz coisas que eu não entendo, logo fala bem portanto tem razão no que diz). Não falam de remates porque discutem lances polémicos, não falam de defesas porque criticam arbitragens, não comentam estratégias de campo porque debatem penáltis. Polémica, barulho, algazarra. Como na Fuzeta, quem fala mais alto é que tem razão. É assim que se discute futebol em Portugal e os media aproveitaram a onda para fazer subir o share afogando os portugueses em controvérsia e confusão. Fala-se mais da atuação dum avençado comentador desportivo no programa de terça à noite do que duma jogada duma partida qualquer de domingo à tarde, declarações de um “paineleiro” têm mais impacto do que um ajuste tático brilhante que vira um jogo. Nomes dantes obscuros e insignificantes como André Ventura, Rui Oliveira e Costa, Sílvio Cervan ou João Gobern começaram a ter protagonismo, até mais do que os próprios jogadores. Houve quem tivesse compreendido que se falava mais do que o “paineleiro” disse do que o que o futebolista fez, houve pois quem tivesse percebido isso e que tivesse começado a apostar nessa estratégia.

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