quinta-feira, 18 de maio de 2017

O Salvador da (nossa) pátria

Salvador SobralQuando se começou a falar nele, logo que ganhou o Festival RTP da Canção, concurso que já achava defunto tal a falta de interesse que despertava no país, comentei na publicação de um amigo no facebook: “O tema é bonito, a voz diferente, a postura em palco não sei se vai colar porque não é muito convencional. Mas pronto, o povo precisa de esperança e nós somos todos geneticamente sebastiânicos.” Ou seja, reconhecia na canção algum potencial mas duvidava que a apresentação do intérprete cativasse os poderes decisórios do Festival da Eurovisão. Nada que me abalasse o pífaro porque há muito tempo tinha deixado de acreditar na capacidade portuguesa de construir uma canção que arrebatasse o troféu e nas faculdades mentais de jurados que elegeram monstros sagrados do nacional-cançonetismo como Rui Bandeira, Tó Cruz, 2B (quem?) ou Leonor Andrade como representantes do retângulo luso na Europa da música. No entanto não fui capaz de ignorar todo o hype em torno do tema de 2017 e percebi que este ano a canção portuguesa estava entre as favoritas para ganhar. Movido pela curiosidade sentei-me no sofá para assistir ao certame, aproveitei o facto de não morar em Portugal para contribuir com o meu voto, a Lena associou-se por solidariedade e resultou que Salvador Sobral conquistou pela primeira vez o primeiro lugar para Portugal no Festival Eurovisão da Canção.

Felizmente enganei-me. Felizmente Portugal não foi medíocre. Felizmente Portugal ousou. É justamente isto que acontece quando os portugueses ousam – triunfam! A delegação portuguesa apostou num visual sóbrio com enfoque único e exclusivo no que realmente importava que era a canção, estratégia que contrastou com as coreografias espalhafatosas (terei visto o Macaco Adriano a dançar durante a canção italiana?), os fogos de artifício e o guarda-roupa de luxo de muitos artistas que pisaram o palco Eurovisão ucraniano e que distraiam as atenções dos telespetadores colocando-os na incómoda situação de distribuir atenção por diversos fatores.

Pode-se gostar ou não da canção e de Salvador Sobral, pode-se concordar ou não com as declarações por si proferidas após ter sido consagrado vencedor do Eurofestival, mas tem-se de dar valor a um português que arriscou desviar-se da mediania aborrecida e estéril que costuma ser enaltecida em Portugal. Nada de grande foi criado sem ousadia e o arrojo de Salvador Sobral e o seu círculo foi o que arrebatou jurados e votantes.

Parabéns, então, a um português ousado. E, pegando também no que sucedeu há dez meses em França, que todos os portugueses reflitam no que pode acontecer se um dia simplesmente… ousarem.

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