O alarme tocou às 6:10, podia ter tocado às 6:00 mas eu regulo-o para que tenha mais 10 minutos de sono do que o esperado, é uma pequena subversão ao sistema, os gajos pensam que eu acordo às seis da matina mas eu é que sei, fico mais dez minutos na cama. Uma palermice, mas é a minha palermice e são mais dez minutinhos de cama e dez minutos mais na cama, para mim e para o lado materno da minha família, é um tesouro. Fosse como fosse, às 7:30 já estava a alargar as virilhas para apanhar o entalado 109, o primeiro autocarro do dia, gente a deitar por fora, hálitos grossos de café e névoas amarelas de alfazemas diferentes a decorar o interior. Há quem feche os olhos e ainda tente voltar atrás na dormência, passar pelas brasas em pé, um exagero de sono, eu já me preparo para a escala, mudança de autocarro para o E-2 e vou mentalmente revendo o plano da aula. Troco de transporte, mais avagado de espaço e de lugares, já dá para sentar e puxar da leitura que o Duarte emprestou, aqui e ali interrompido por um incomodativo estridor mais agudo proveniente dos fones de um jovem que ouve Guns n'Roses logo de manhãzinha, poluição auditiva para arrancar o dia. Blargh!
O Centro recebe-me com "bons dias" soalheiros, céu limpo de outono mas sem aquela sensação de inverno iminente, as pessoas vestem roupa de meia-estação e a neblina fofa não chega para arrefecer o ânimo, estudantes precipitam-se para os portões da Universidade mergulhados em capuzes, iPods e tabaco, um taxista menos paciente faz gincanas para ganhar uns décimos de segundo, um rapaz de calças de bombazina (o que eu detestava quando a minha mãe mas comprava, até tive umas cor de vinho tinto que eram mais feias do que um filho bater no pai) distribui panfletos de casas de fotocópias, parece-me tudo mecânico, como em piloto automático. Mas do portão da UW para dentro é uma paz sepulcral, os cochichos das árvores sossegam a pressa e reduzem as pulsações, pontos louros destacam-se do verde deslocando-se para a esquerda e para a direita, um colírio.
Senta-se a turma, tudo arredado na última fila. Eu também fui aluno de última fila e conheço as manhas, por isso ordeno um passo em frente, que não há problema porque tenho as vacinas em dia. A turma obedece, respeitam o mestre talvez porque este os respeite e se saiba dar ao respeito, coisa que custa a muitos. Que abram o livro na página tal...
Batem à porta, é a D. Anna, provavelmente a funcionária mais simpática da faculdade. Traz más notícias, o corpo dum colaborador que havia desaparecido há dias foi encontrado nas margens do Vístula, terá saltado para a morte sem que ninguém se apercebesse dos tormentos que o desassossegavam, ninguém deve julgar aquele que se mata porque terminar a vida requer muita coragem. Cai um manto lúgubre na aula que prossegue como pode, o espetáculo não pode parar.
O almoço, costume que me esforço para manter regular, é constituído por plantas porque faço um dia vegetariano por semana, uma desculpa moral para os banhos de colesterol que tomo, para limpar a tubagem, para expiar a carne, para me enganar ao cabo e ao resto. Meio quilo de forragem e um sumo de cenoura garganta abaixo e recomecemos o baile que isto não dá para grandes recreios.
A tardinha surge apressada e já vestida de noite, traz aragens escuras à cintura e uma cuia de chuvinha miúda que era escusada e que faz arrepiar a espinha. Dura pouco esse tempo e logo se despe de claridade para abraçar a Cidade Capital num fresco lençol de breu, mais chuva e um elétrico antigo para o transporte para casa. No caminho passo por parques cor de musgo e por um cemitério onde piscam as velas multicores de parentes dos falecidos, uma calma parda que me dá medo, o elétrico segue ruidoso e sacolejante, mais um cruzamento, mais um passageiro que sai, uma loura adolescente que me mira com ar interrogativo, eu olho distraído pela janela, mais uma paragem e a minha é a penúltima. Dois McDonald's em 800m, casos do capitalismo desregrado e sem critério, mais valia que fosse um Burger King no lugar dum deles e o meu ponto que chega.
Salto do elétrico e ponho-me ao fogão, não há horas para jantar porque o jantar vem sempre a horas. Depois da sopa aquecida ainda me sento ao PC para dar um toque nas fotocópias do dia seguinte que como a maioria dos meus dias de trabalho vai das 8:00 às 20:00. Lá fora a chuva pára, pelo menos regou-me o jardim e é menos isso que tenho de fazer no sábado.
21:00 Acabei o dia de trabalho. Amanhã há mais... do mesmo.
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