quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O Kuba

Plac Konstytucji

O Kuba tem 30 anos e diretor de vendas duma firma de construção civil. Típico pai de família, duas filhas, mora numa casa nos subúrbios, é adepto da Legia (meteu-se comigo, ele estava com um grupo de malta, no restaurante onde eu jantava com os munines depois do Legia-Sporting) e às vezes manda mensagens a cancelar o nosso encontro matinal das sextas porque se atascou em vodca na noite anterior. É um porreiraço.

Já nos conhecemos há dois anos, ele ajudou-nos no processo de compra de casa ao estabelecer (estabelecer e não negociar) os termos e condições do negócio, conseguiu-me a garagem por metade do preço, dilatou prazos, reduziu preços, fez trinta por uma linha a nosso favor sem esperar nada em troca. Receberia mais tarde uma garrafa de Antiqua, uma aguardente velhíssima do acervo do meu tio, como paga pelos favores. Ficou satisfeito e eu contente por ter compensado que mereceu, assim se fazem amizades e se consolida o respeito.

A este meu amigo faz confusão a questão do "português na Polónia", como é que um ser mediterrânico, principalmente do Algarve, se dá tão bem com os ares severos da Europa Central a pontos de não pensar num regresso breve para Portugal. Concluiu ele em amistosa provocação que se tal acontece é porque eu estou a ficar mais polaco que português, já são cinco anos a dizer "cześć", noiva polaca e etc., todo o processo de integração a decorrer em velocidade de cruzeiro e por isso as particularidades da civilização polaca já não me afetavam tanto, era mais fácil para mim e que por isso podia servir como consultor de portugueses interessados em emigrar para a Polónia. Recusei a teoria dele, não me estou a tornar polaco apesar de já ter assimilado muito da cultura e da mentalidade deste povo, sou e serei sempre português com os prós e contras que isso traz, a falta de pontualidade, a postura relaxada e tranquila ante os problemas e obstáculos que a vida cria, o "thinking out of the box" tipicamente tuga que nos permite ter uma palavra no dicionário que não tem tradução em mais nenhuma língua do mundo (desenrascar), o sangue quente que nos faz debater um tema de forma inflamada sem que estejamos a discutir embora pareça.Depois surpreendi-o quando lhe disse que provavelmente não aconselhava ninguém a vir para a Polónia. Ele abriu os olhos, encostou-se atrás na cadeira e depois fez um sorriso patife: "Já percebi, queres as raparigas todas para ti". Eu vi onde ele quis chegar, não era essa a minha intenção e passei a explicar.

O barbacã da Cidade Velha

Se bem que Portugal em 2011 tenha registado o sétimo pior nível de crescimento económico mundial segundo o World Bank, a Polónia também não patenteia a mesma pujança do início de década, o emprego (em Varsóvia) é cada vez mais difícil de encontrar, o investimento tem-se reduzido porque as empresas têm de salvar as suas operações dos países de origem - a título de exemplo, durante anos foi o Millennium polaco que financiou a casa-mãe portuguesa e por isso fala-se na que o banco português está a ponderar a retirada do mercado polaco - além de que o polaco da geração mais recente é mão-de-obra altissimamente habilitada (conheço pessoas, jovens adultos, com duplos e até triplos mestrados, qual é o português com estas qualificações?) que trabalha 10 ou 11 horas por dia sem grandes reclamações e que procura constantemente valorizar-se através de formações profissionais, pós-graduações ao fim de semana, cursos de línguas estrangeiras (sei de alunos meus que estudam coreano, alguns árabe, outros aprendem japonês para não falar de idiomas europeus). O português que se quiser radicar neste país tem de ser bem melhor do que estes jovens lobos que buscam trabalho no seu país, que querem trabalhar na sua terra e que procuram desenvolver a sua nação através do seu conhecimento. Vai ter se superar uma concorrência tremenda que consiste em pessoas que sabem por dentro e por fora o funcionamento do sistema e das instituições, percebem a mentalidade e sabem como reagir mediante determinadas situações ou estímulos que sucedem pela primeira vez ao português comum, situações essas que podem ser extremamente desgastantes quando sucessivas, contínuas e permanentes.

A Polónia não é apenas cerveja baratucha, gajas boas e festas do outro mundo. Uma coisa é vir para cá de Erasmus e furar tantas miúdas quanto possível sabendo de antemão que se regressa para o retângulo atlântico ao fim de seis meses, outra é ter a noção que amanhã vamos ter de caminhar em 10 cm de neve no passeio até chegar ao autocarro abafado e apertado, sair de casa no escuro e voltar para casa no escuro, repetir a mesma música pelo menos cinco meses por ano - tanto quanto dura o inverno - e passar mais de metade do ano com temperaturas abaixo de zero. Também não nenhuma pêra doce negociar com pessoas desconfiadas à partida e com um enorme sentido de dúvida em relação ao produto e à pessoa que vem de fora, enfrentar repartições públicas com funcionários que não fazem o mínimo esforço para facilitar a tarefa do imigrante que ainda não domina o idioma na perfeição, negociar contratos de água, luz, televisão e telemóvel, requerer um fundo de pensões, ir à oficina com o carro, todo este leque de pequeninas coisas que multiplicadas pelos sete dias da semana ou trinta do mês podem levar alguém ao desespero.

Então, é verdade que a Polónia apresenta um crescimento interessante na casa dos 4% (comparados com os -1.6% de Portugal) mas não se tome o índice de crescimento económico como um aferidor do nível de vida que se pode ter num país. A Polónia não é nenhum El Dorado, talvez tenha sido há 5 ou 10 anos mas agora já é difícil penetrar nos mercados porque a concorrência é cada vez maior, o emprego nas grandes cidades começa a escassear e só o grande capital é que tem facilidade em se estabelecer. Para quem quiser vir para este país e triunfar aconselho uma carteira bem agasalhada, paciência de e muito jogo de cintura porque se vamos basear as nossas decisões em números é preferível irmos todos para a Mongólia que lá estão a crescer a 17%.

No final, o Kuba cruzou os braços e disse: "Nunca tinha pensado nisso, pelo menos não como tu dizes..." Bebeu mais um golo de café e recomeçou:

"O Ljuboja está a jogar muito, não está?"

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