sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A Avó das Cantigas

UFO na Praça Na Rozdrozu Nos primeiros dias do verão passado fui convidado a visitar um bar novo em Varsóvia, uma fonte que tinha sido transformada em bar e que estava a ser a maior atração da cidade. O local de diversão sazonal era bastante agradável, as mesas e cadeiras estavam dispostas como esplanada em forma de anfiteatro instalada numa estrutura de madeira construída no centro da fonte e com uma cúpula de material plástico no meio onde funcionava o bar/cafetaria. A clientela era variada mas composta sobretudo por dois grupos bem definidos e afastados no espetro etário, jovens casais com filhos e cidadãos seniores, estes aparentemente oriundos das imediações porque chegavam a pé e em grupos numerosos, cumprimentavam os outros velhotes e sentavam-se juntos ao sol a tomar chá ou café com leite, música de circunstância que não convidava a grandes saltos, o ideal para a conversa numa bela tarde de sol. Nisto, um locutor anunciou o início da atuação do DJ convidado e eu pus-me a imaginar na seleção musical que o artista teria de ter preparado dado o cariz do público presente, tirando-me as dúvidas da sua competência logo na primeira música – um clássico da música ligeira polaca dos anos 70. Movido pela curiosidade espreitei para dentro da consola para  conhecer o DJ e perceber que equipamento usava e vi uma velhinha de quase 80 anos a operar um Toshiba portátil, a colocar disco de vinil nos pratos e a fazer pré-escuta das músicas de auscultadores na cabeça. Fiquei meio atordoado comAvó das Cantigas a trabalhar aquela visão e até comentei com os meus colegas daquela tarde: “Aquela avozinha é o DJ?” Eles não me souberam responder e passei a tarde a ouvir o gosto que a avó (se calhar já bisavó) demonstrava nas escolhas dos temas e na perícia com que os colocava, sem brancas * nem gafes, uma tarde bem passada a ouvir rumbas e cha-chas misturadas com êxitos disco e cantigas polacas que os frequentadores do espaço sabiam de cor e salteado e ao som das quais dançavam com entrega.

Passaram-se semanas e meses e eis que vejo um artigo sobre a dita senhora na imprensa portuguesa. A DJ Wika Szmyt, assim se chama a senhora, é uma aposentada que se dedica ao DJying “para procurar emoções fortes”, afirma que passa “horas em lojas de discos procurando melodias com bom ritmo” para “tentar agradar ao máximo possível de pessoas sendo que tal é quase impossível”. Numa entrevista a um órgão polaco de comunicação social, Wika Szmyt remata: “Há músicas que eu uso como ás de trunfo porque sei que quando as passo todos cantam e dançam” numa declaração ciente de que o trabalho que desempenha não é tão fácil como muitos podem acreditar. Efetivamente o DJ às vezes tem noites terríveis, ou porque custa a acertar com o tema-clique que desbloqueia o enchimento da pista, ou porque o público não pega em nada que se toque e a coisa custa a engrenar, ou porque há sempre uma ou duas pestes que o fegam constantemente a pedir este ou aquele tema, ou porque o equipamento é bera e não se consegue equalizar o som como deve ser… Ser DJ é como ser guarda-redes numa equipa de futebol, é o que carrega a maior responsabilidade pois a mais pequena falha é a morte do evento.

A D. Wika Szmyt dá cartas no bar varsoviano Bolek às quartas, sábados e domingos a partir das 14:30. Acho que depois de amanhã vou lá almoçar e, quem sabe, arrastar ao pé ao som desta avozinha.

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