quinta-feira, 16 de março de 2017

Quando comprar não significa necessariamente que se traga compras para casa

Há semanas eclodiu uma discussão, leia-se uma civilizada troca de pontos de vista, entre mim e uma aluna a propósito da tradução em polaco da palavra portuguesa “comprar”. Tudo isto porque eu traduzi o verbo de duas maneiras diferentes, contemplando os aspetos perfetivo e imperfetivo que tanto azucrinam os estrangeiros que tentam aprender polaco. Tudo porque eu disse:

- “Comprar” significa “kupić” (perf.) ou “kupować” (imperf).

Isto detonou a discussão e a pergunta da estudante.

- Mas, espera. Significa “kupić” ou “kupować”?

- (meio encavacado) E há diferença?

- Claro. “Kupić” usa-se quando tu compras alguma coisa e  “kupować” para o processo de comprar sem que necessariamente compres alguma coisa.

Aí fiquei completamente baralhado. Como é que se pode comprar sem necessariamente comprar? Ou compras ou não compras, não pode haver um verbo para “não comprar”, não há verbos que definam “não-acontecimentos”. Ainda debati este tema com mais uma ou duas pessoas até que finalmente me elucidaram e eu cheguei à conclusão de que este “kupować” significa algo como “ir às lojas”, tipo o nosso português “ver as montras”. Ou seja, não declarar a intenção de comprar mas também não descartando uma eventual compra caso se veja algo que se agrade. Andei matutando nesta situação até uma outra aluna col14467aocar luz sobre o caso e explicar-me esse tal processo de ir às compras sem comprar nada.

- São resquícios dos tempos socialistas, Nuno. Naquela era as pessoas iam às lojas mas não sabiam o que comprariam porque não sabiam o que lá havia. Podias ir com a intenção de comprar carne e voltar com arroz ou açúcar, podias sair de casa para comprar pão e regressar de mãos a abanar. Nunca se sabia o que se ia comprar porque nunca se sabia o que a loja tinha naquele dia. A única coisa que havia sempre era vinagre.

É curioso perceber como as culturas criam palavras para definir determinadas ações ou factos. Como em Portugal nunca experimentei dificuldade em comprar o que queria, desde que tivesse dinheiro, não imaginava que existisse em alguma língua do mundo um verbo que definisse “não-comprar” ou “comprar do que houver podendo acontecer que não se compre nada”

Cada vez me surpreendo mais com esta gente.

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