domingo, 12 de abril de 2015

Retalhos da vida de um Algarvio - Parte 23

Dando música a cidade A noite tinha acabado já de manhã, às duas, consequência duma sessão de discos e da insónia habitual depois da atuação, os ouvidos ainda a digerirem o ritmo, os dedos ainda a virarem cursores imaginários, a mente ainda a acertar batidas e a criar a playlist seguinte. Adormecer depois duma atuação é sempre um castigo porque o corpo continua a cem à hora bem depois das colunas se terem calado, por isso é preciso ir baixando a intensidade, ir apagando as luzes, pegar num livro e esperar que os vapores do sono cheguem ao nariz. Tinha acabado tarde essa noite, já de manhã, e no dia seguinte bem cedinho logo se ajeitavam caneleiras, se vestia o calção térmico, se calçavam chuteiras para mais um jogo de preparação para a segunda volta do campeonato, sete pontos que se têm de recuperar em onze jogos. Tarefa difícil mas se não fosse difícil não era tarefa para nós, por isso lá estamos debaixo duma morrinha chata que molha e arrefece o piso do Wembley - nome pelo qual é pomposamente conhecido o campo onde o Inter Warszawa treina e joga. A bola parece mais pesada do que o habitual ou será o músculo que está mais frouxo, é preciso entrar no ritmo rapidamente sob pena de ficar para trás no comboio dos titulares. Encheu-se de brio, o velho, e de tanto querer mostrar serviço até foi lá à frente mostrar como se faz um golo. No final de contas há motivos para ficar satisfeito e para preparar uma romaria a casas de copos e caras giras, meio a medo porque duas no mesmo fim de semana tem custos que o arcaboiço já custa a aguentar, especialmente depois com uma futebolada aguda por meio.

Festa de anos duma amiga num clube da moda, um frenesim a que eu já não estou habituado pois ultimamente a minha presença em discotecas faz-se do lado de dentro da cabine. A rabugice inicial dissolveu-se depois dumas taças de vodca-Red Bull e deixei-me levar pela acertada escolha musical do DJ de serviço, não há mal nenhum no mundo que um bom par de malhas de house lançadas no momento exato não cure. Encontrados dois portugueses companheiros destas noites de boémia, ficou logo o mote dado para um resto de noite de brindes e perdição, gincanas suadas entre ancas e tranças, olhares de néon e lábios de carmim que se confundiam com o piscar psicadélico das luzes da sala de dança, três compatriotas inebriados pela música e pelo álcool, a combinação habitual nas noites varsovianas. Um dos tugas atirou a toalha ao tapete vencido pelo pulsar forte da noite e dos copos, saiu pedindo desculpa e prometendo melhor desempenho da próxima vez. Os dois restantes, ainda não satisfeitos, resolveram visitar mais uma casa para matar a curiosidade, um porque já tinha ouvido falar e outro porque tinha sido expulso da última vez que lá tinha ido. Motivações diferentes para o mesmo propósito. Mais shots, mais batidas, mais palavras gritadas ou sussurradas naquele idioma encriptado que causa subidas deAi, Varsóvia... pressão arterial quando saem da boca daqueles anjos eslavos louros. Saída de cena já com o sol a espreguiçar-se por trás das árvores, corpo cansado, alma cheia mas com vontade de dar mais uma voltinha. Não, diz o organismo. É altura de repousar.

Manhã de gatos e sótão, um pequeno-almoço que nunca poderia ser preparado por um homem (salada de queijo feta com rúcula e tomates cherry regada com molho balsâmico), o chamamento  irresistível do sofá doméstico a ouvir-se ao longe e o regresso a casa num autocarro estranhamente carregado de passageiros para as dez horas dum domingo. Por fim aninhado entre almofadas e a televisão onde passava um soporífero jogo da Liga NOS, recebo o sono como uma divina esmola restauradora, muitíssimo bem-vinda depois dum fim de semana exigente em termos físicos como poucos têm sido. À medida que vou sendo contaminado pela dormência, vou pensando na forma como me correu o dia, na maneira como passou a semana, naquilo que tem sido a minha vida nesta terra e abro um sorriso quando entendo que por muito negras que possam ser as trevas há sempre uma altura em que surge luz.

E assim adormeço, satisfeito por saber que o sol volta sempre a nascer.

1 comentário:

Unknown disse...

oii,tudo bom???

to fazendo um documentario sobre saudade e distancia e to procurando um casal que more bem distante um do outro. gostaria muito de achar uma brasileira de até 35 anos que more na polinia ou algum país longe e o namorado no brasil.e eles levem esse relacionamento a distancia.
será que tu nao conhece algum caso assim por ai? teria alguma indicação para me dar?

beijosss e parabéns pelo teu blog muito bacana

se tu lembrar se alguém legal, me manda um email: amanda.michelini@gmail.com