Na ceia de Natal polaca aparecem coisas que não lembram ao diabo! Comparando com a mesa de consoada portuguesa, os polacos destacam-se por apresentarem mais variedade - uma dúzia de pratos diferentes segundo a tradição - sendo que nenhum é de carne e a maioria é composta por diferentes tipos de peixe. A ceia natalícia neste país não é uma oportunidade para a refeição lauta e bem regada tão característica na nossa terra porque, tradicionalmente, não se colocam bebidas alcoólicas na mesa. Outra situação na qual a consoada é diferente é na consensualidade que os pratos reúnem, em Portugal ninguém discute a bacalhauzada com batatinha, couve e grão, às vezes um ovo para enricar o banquete, porque é uma especialidade ao gosto de todo o português, o fiel amigo é tradicional do Natal mas acompanha-nos durante todo o calendário como todo o (nosso) prazer. No caso polaco não é bem assim, o peixe típico de Natal – a carpa – também gera consenso mas negativo: Ninguém gosta de carpa.
A carpa é um peixe originário da Ásia e foi introduzido no rio Danúbio há coisa de 2000 anos, não se sabe (ou não importa para aqui saber) qual foi o trajeto do teleósteo até chegar frita à mesa dos polacos (e dos alemães, checos e eslovacos) mas sabe-se que é um peixe que não goza de boa reputação neste país. É considerado um peixe sujo e essa fama advém de viver em rios e lagos, muitos deles poluídos, ganhando assim um gosto a lodo que só consegue ser neutralizado depois de muita depuração. Por isso é comum comprar-se carpas dois ou três dias antes da véspera de Natal e conservá-las numa tina de água doce para que a sua carne perca progressivamente o sabor a lama, o que nem sempre é conseguido e que explica a aversão que muitos polacos têm pelo seu prato emblemático de Natal, amplificada pela notória falta de jeito que os polacos têm para lidar com espinhas de peixe. A consoada deste ano passei-a por cá e testemunhei a diferença que há entre uma carpa asseadinha e outra que não se lavou por dentro o suficiente, o cheiro e o travo a lama no primeiro caso mesmo que eu comesse sem reclamar a posta que me serviram, e a carne limpinha se bem que sem sabor distinto – a carpa é servida frita com batatas assadas mas sem azeite, vinagre, alhinho ou limão. Em ambos os casos foi elogiada a minha perícia no manejo das espinhas e no aproveitamento que fiz da posta, os meus colegas comensais deixavam mais de metade do peixe no prato, bem porque não sabiam separar as espinhas como também porque não se queriam dar a tanto trabalho para comer aquela coisa ruim.
Por isso fiquei a pensar no porquê dos polacos terem elegido para símbolo da consoada uma refeição de que quase ninguém gosta e que torna a ocasião num fastio em vez de ser um prazer. A Karolina contou-me que tal se deve ao impedimento que a Igreja Católica decreta ao consumo de carne na quadra natalícia obrigando os polacos a pensar em alternativas, sendo o peixe a mais direta. Como o mar não está próximo de todos os polacos, estes voltaram-se para os seus muitos rios e lagos onde há peixe com fartura, deitaram os anzóis ao leito e começaram a desbastar cardumes de carpas dado que este é o peixe que se deixa apanhar com mais facilidade. É uma explicação aceitável mas insuficiente para que eu comece a ter gosto em ver uma posta de carne frita na minha mesa de consoada. Mas podia ser beeeeeem pior, a apenas um par de horas, na vizinha República Checa o jantar típico de Natal é sopa de cabeça e vísceras de carpa ;)
O ganso assado no forno no almoço de Natal? Ah, isso é outra conversa…
1 comentário:
Pois bem observado a questão do peixe! realmente eu nunca me oriento com nenhum dos 12 pratos! mas o mais "impressionante" é o de peixe envolvido em gelatina, fica com um aspecto .....
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