quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Sleepy Season

eletrico O dia de trabalho acaba, uma aula privada com uma doce miúda de cabelos de trigo e olhos esmeralda, lábios que me fazem estremecer na cadeira à medida que ela os morde enquanto pensa na palavra ou na pronúncia correta. Beberrico a água que ela me serviu para afastar as reflexões insidiosas que me impedem de me concentrar exclusivamente no trabalho mas não é fácil, o decote dela convida à imaginação e da mesa da sala ao quarto é um segundo à velocidade do pensamento. Voltamos aos pretéritos e pronomes, coisas mais prosaicas do que a líbido que paira e se cheira no ar mas ela teima, ajeita a franja com três dedos e espreita-me por entre uma madeixa rebelde que insiste em tapar-lhe a vista direita. É o fenómeno da cenoura à frente do burro e eu procuro não fazer figura de quadrúpede mantendo-me firme (e quase hirto) no meu posto docente, ela compõe o cabelo para trás da orelha, eu peço mais água e já não consigo disfarçar o desconforto.

Respiro fundo ao sair de casa dela e sento-me no elétrico que pára perto do velódromo de Varsóvia, o Wyścigi Konne. A cidade parece-me mais dormente agora do que durante todo o dia, um dia que pareceu durar uma semana e que vai sendo cada vez mais pequeno enquanto caminhamos para dezembro e para o inverno. As pessoas queixam-se do tempo e do frio mas eu não tenho problemas desses, quem diz que faz frio na Polónia nunca experimentou Faro em fevereiro pois decerto que  se o tivesse feito sairia para a rua de corpinho gentil como este vosso escriba tem feito desde que regressou do Sul. Um homem está sentado, adormecido num dos assentos da carruagem quase vazia, o elétrico é uma perfeita alegoria do que me pareceu Varsóvia este dia: polaquinhaamorfa, insossa, apagada. “É culpa do tempo”, dizem eles, desta baixa pressão atmosférica que acinzenta as pessoas e embolora os cérebros. É capaz de ser verdade, eu dormi algumas 10 horas de ontem para hoje e sinto-me sonolento como se tivesse feito uma direta.

Sento-me em Wilanowska à espera do metro e começo a listar as coisas que tenho de ir comprar ao Tesco. Café, leite, carnes, arroz. Não fico muito contente quando me lembro que ainda ando com o saco do computador às costas e que vou ter de arcar com o peso das compras mais o portátil ao lombo, que raio de vida esta que me obriga a estes sacrifícios! Ao fazer contas à vida e às compras sou interrompido por uma voz morna e mansa, uma voz cor de trigo e esmeralda que ternamente me atropela os pensamentos e começa uma pergunta suave:

”Como se diz em português…?”

4 comentários:

Geraldo Geraldes disse...

Duas achegas. Eu quando tinha explicações privadas de polaco, foram sempre em locais públicos (Empik, p ex). É que explicações em casa toda a gente sabe como começa, mas nunca se sabe como acaba!

João Tavares disse...

E como acabou? lol

PM Misha disse...

geraldo,
o meu conhaque só se misturou uma vez com o trabalho, jurei para nunca mais!

joão,
pensamento. tudo em pensamento, amigo.

Tabuix disse...

Deu-me vontade de me rir este post... Mesmo não te conhecendo, parece que conseguia ver a tua cara perante tanta safadeza mostrada ignorantemente pela tua aprendiza....