Brunch de fim de manhã de terça-feira na Plac Zbawiciela, uma das minhas praças preferidas da cidade. Admirável sol de outubro, um rebuçado para os desconfiados varsovianos que já se enfiaram em blusões e sobretudos escuros como o dó, um desperdício de claridade empregue a iluminar tão cinzenta gente. Eu e a minha companhia dispomo-nos na esplanada do Charlotte de nariz para cima de modo a não falharmos nenhum raio de sol, ela com um típico chazinho, eu com um cesto de fatias de pão e dois potes, um de doce de amora e outro de chocolate de leite. Ela beberrica a sua água quente e eu lambuzo-me de doce enquanto trocamos impressões sobre a vida, as pessoas e trivialidades quejandas. Desfrutamos do calor, dos bem-acolhidos vinte e dois graus centígrados que se fazem sentir no centro de Varsóvia, ela ri-se divertida e aconchegada com o sol, eu enrugo a testa penitenciando-me por me ter esquecido dos óculos escuros em casa mas evitando proferir qualquer tipo de impropério, bem pelo contrário, dando graças ao excelente dia de que estávamos a gozar por ter bem presente na memória o tenebroso 15 de outubro de 2009 no qual caiu uma senhora nevasca por volta do meio-dia que me deixou a mim e ao meu compadre Mário enregelados desde a unha do dedo pequeno do pé até à ponta do mais hirto cabelo, caso que não se verifica na pessoa do meu dileto compadre visto a sua cabeça já ter sido minada de irreversível calvície. Por isso me mantenho franzido mas satisfeito pelo vigor do astro-rei, pela pujança com que os seus braços cercam a Cidade Capital. Um mimo, um prazer, um regalo. Nem o ruído das infinitas obras de modernização da cidade me apoquentam, com este sol nesta praça tudo me passa ao lado.
Nas mesas ao lado vários casais jovens e jovens sem estarem acasalados, raparigas de smartphone em punho, rapazes de ar hipster batucam absortos nos seus portáteis, pessoas mais velhas que tomam o seu chá, idosos que passeiam ou que vão às compras. Numa dessas mesas senta-se uma senhora de idade, curvada pelo tempo mas de gesto nobre e bem vestida com a écharpe em plano de evidência. Chama o empregado de mesa e pede um chá – para não destoar – e um croissant de amêndoa, um deleite que encaixa perfeitamente no glorioso dia que se vive, dia de gozos e delícias. Ao lado da mesa desta elegante senhora está uma outra dez ou quinze anos mais nova à qual se junta um homem que se faz acompanhar de um cão, com certeza um passeio inesperado para o canídeo mas muito bem aproveitado para exercitar as pernas e os pulmões. Senta-se o homem mai-lo cão, o humano à conversa com a companheira e o quadrúpede a fitar o lanche da chique senhora que, por sua vez, não tardou a dar atenção que o simpático animal requeria, atenção essa consubstanciada nos flocos de massa doce que a dita senhora começa a distribuir ao bicho, grandes pedaços que são absorvidos com gula até à saturação. O saldo terá sido de um terço do croissant para o cão, o que justificou o rápido recolher do animal entre as pernas da cadeira onde se sentava o dono, provavelmente agoniado com tanto açúcar, apesar da insistência da senhora para que comesse mais bolo.
Barro mais uma fatia de pão com chocolate e enfio-a na boca, mastigo delambido para prolongar a festa dos sentidos que o sol e o chocolate despertaram no organismo, descanso os cotovelos na mesa e dou uma volta à praça com o olhar. O céu rebenta de azul, parece que os prédios nadam numa gigantesca piscina invertida por cima de Varsóvia e o sol estende-se pelas vielas mais estreitas de Śródmieście Południowe A Matylda continua a sorver o chá escondida atrás duns Ray-Ban vermelhos. Que bom que seria se o outono durasse assim até ao Natal.
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