Escolhendo morar numa zona afastada, assumi a inevitabilidade de receber poucas visitas. Apesar de a minha casa ser bastante confortável – dois quartos, sala, cozinha e uma casa de banho que dá para acampar – e de acomodar gente com fartura, o facto de morar longe desencoraja as pessoas a aparecerem. Isto apesar de ficar a apenas um quarto de hora de carro do centro da cidade ou a 25 minutos se optarmos pelo metro e elétrico. O problema reside mais na preguiça das pessoas em fazer os tais 15/25 minutos do que propriamente o afastamento entre o ponto de partida e o de chegada, o que acho curioso ao comparar com os tempos em que eu era criança quando famílias inteiras visitavam outras sem aviso prévio. Lembro-me, por exemplo, dos Belchiores aparecerem na casa dos meus pais para um uísque para os adultos e jogos de tabuleiro para os miúdos ou de irmos a casa do Zé Guerreiro depois do jantar para os homens falarem de negócios, as mulheres falarem do que quer que elas tivessem para falar enquanto as crianças bazavam para o quarto ler livrinhos do Cebolinha ou jogar A Viagem de Marco. Também eram 15/20 minutos de caminho mas não era nenhum suplício, antes uma alegria receber pessoas pois era certeza dum serão animado.
Não considere, amigo leitor, estas linhas como queixa. A vida de um homem solteiro é bem mais preenchida do que se imagina pois a lida da casa é dividida por uma pessoa só e entre cozinhar, lavar louça, lavar e estender roupa, passar a ferro, fazer as compras, aspirar seis divisões e passar a esfregona em três delas (os quartos e a sala são alcatifados), limpar pó e uma limpeza aprofundada de cozinha e casa de banho pelo menos uma vez por mês, preparar ou corrigir aulas, pesquisar e organizar músicas, fazer o saco do treino/jogo e outras coisinhas devoradoras de tempo, pouco sobra para o verdadeiro lazer doméstico como espojar-se no sofá a ver um filme, ler um dos três livros que tenho em cima da mesa de cabeceira ou mesmo saber o que se passa nas redondezas do Tinder. Então, não receber visitas não é uma situação alegre mas também não é propriamente uma chatice. Moro em Tarchomin, no norte de Varsóvia, pertinho mas do outro lado do rio e só o nome do bairro causa logo estertores aos potenciais visitantes.
O que as pessoas não conhecem é o passado medieval e ilustre de Tarchomin. Com efeito, existem registos de que a zona onde moro hoje já era habitada por alturas do séc. XIII e posteriormente foi residência de famílias pertencentes à nobreza até aos séculos XVI e XVII. Tornou-se um polo de reunião dos Olędry, imigrantes protestantes de origem holandesa e alemã que fugiram das suas terras de origem devido a perseguições movidas pelos cristãos e que viveram em algumas zonas da Polónia com especial incidência ao longo do rio Vístula e nas margens dos seus afluentes criando povoações com leis e credos próprios.
Na idade moderna e já no séc. XIX foi em Tarchomin que se construiu uma fábrica de vinagre que depois se tornou no maior produtor de adubos do país e no início do séc. XX foi igualmente em Tarchomin que se instalou aquela que se tornaria na maior empresa polaca do ramo farmacêutico, a POLFA. Apesar da distância geográfica até ao centro de Varsóvia, o meu bairro tem tudo o que me faz falta para viver tranquilo e satisfeito. O elétrico já chega a casa desde dezembro do ano passado, o que dá um jeitaço do camano nas noites de maior caudal de bebida. Há bombas de gasolina, farmácias e supermercados abertos 24/7, tenho um enorme passadiço ao longo do rio para as minhas corridas de início de época, existe todo o tipo de reparações e serviços domésticos, automobilísticos e até relacionados com vestuário e calçado ao dispor da população e hoje reparei que já começaram a abrir os caboucos para o primeiro centro comercial desta zona da cidade.
As pessoas franzem o rosto quando lhes digo onde moro. “Épa, isso é muito longe!” Mas quando percebem que se leva apenas uma vintena de minutos acabam por perceber que não é tão longe. E claro, quando veem o meu latifúndio domiciliário.
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