Há temos afirmei que para Varsóvia ser perfeita, uma das coisas que falta é o mar. Varsóvia não tem mar, tem rio e essa já é uma característica que eu considero importante pois não há uma grande cidade que não tenha rio. Paris, Lisboa, Berlim, Londres, Roma, Viena, mesmo Faro que tem uma ria em vez de um rio, até o Porto são exemplos de cidades com um carisma e um encanto suplementar que só um rio pode conferir. Varsóvia tem o Vístula, o maior curso de água do país cuja bacia hidrográfica ocupa dois terços da Polónia, rio que divide a cidade em duas metades. Metades desiguais, é certo, mas esse tema já foi tratado em artigos anteriores e não é disso que quero escrever.
A saudade, aquele sentimento que de vez em quando mina os alicerces de qualquer português arreigado na estranja, às vezes bate com força. Saudades do cheiro da maré vazante, de ouvir a arrebentação à noite, do pôr do sol atrás das palmeiras da doca, de pisar a areia ardente de julho, de postas de corvina cozida. Saudades dessas coisas simples que nos fazem sentir menos longe e mais tranquilos, porque nem sempre é fácil viver todos os dias afastado da nossa terra, mesmo que a outra terra chamemos ‘casa’.
Estava na cozinha a preparar o pequeno-almoço e a juntar a papelada necessária para o trabalho quando me entra pela janela um som conhecido, como a buzina de um carro de amigos ou uma música que não ouvia há muitas luas. Levantei instintivamente a cabeça e virei uma orelha para a janela da cozinha, depois para a porta da varanda e fui seguindo aquele som, uma espécie de pio de ave que soava familiar mas que não encaixava muito naquela paisagem de prédios e ruas dum bairro a norte de Varsóvia. Estiquei o pescoço para fora da varanda e vi uma gaivota empoleirada num poste de iluminação pública. Ia entornando o café com leite, que cargas de cacetes faz uma gaivota em Varsóvia?
Apesar dos trezentos e tal quilómetros que separam a capital polaca do mar, existe uma espécie de gaivotas de rio que por vezes são avistadas nas margens pantanosas do Vístula e do Narew. Sendo o distrito de Białołeka na margem nascente do Vístula e o bairro de Tarchomin, onde se localiza o domicílio deste vosso amigo, precisamente voltado para o rio, não é de estranhar que apareçam gaivotas em terra sem que tal seja necessariamente sinal de tempestade no mar – ou no rio. Pelo vistos até não é situação inédita, as gaivotas aventurarem-se pela cidade à procura de comida, mas eu ainda não tinha notado o fenómeno.
Fiquei muito satisfeito por ter uma gaivota a piar perto da janela, aprendi que há outros pássaros em Varsóvia sem serem os medonhos corvos e as repulsivas gralhas, deu-me a impressão de estar de novo na terra onde nasci e logrou mitigar um bocadinho a saudade. Ultimamente tenho andado algo nostálgico e quando isso acontece… mala sorte. Ainda bem que a gaivota apareceu, carregou-me a bateria e já fui para o trabalho mais bem-dispostozinho.
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