O ano passado decidi cortar dramaticamente no consumo de álcool, não que me estivesse a corroer o fígado mas por causa da bola. Quarenta anos no conta-quilómetros dão razão ao ditado popular 'elas não matam mas moem', é muito tempo de borga, de bezana, de noites mal dormidas e o organismo sente o efeito disso tudo, a fatura é paga em tempo de regeneração mais alargado, em mais dores depois do esforço (e às vezes até durante), em sonos menos repousantes. Todos os meus colegas de equipa são beeeem mais jovens do que eu, a diferença de idade mínima é de nove anos, todos são fisicamente mais potentes e respondem de forma mais fácil às cargas ministradas no treino, ressentem-se menos do esforço, recuperam mais depressa e não sentem tanto peso nas pernas depois das tareias que às vezes apanhamos. Ora, é sabido que a bebida mina o corpinho de várias formas. Faz crescer a barriga, rouba reação, rói o sistema nervoso impedindo a resposta mais adequada, amolece os músculos e andar nos copos é completamente desfavorável ao bom desempenho desportivo, principalmente se a idade exige um recobro mais prolongado. Como eu gosto mais de jogar à bola do que de copos mandei a bebida à fava, cortei com as bebidas gaseificadas e só meto um paivante na boca quando joga o Sporting, tudo isto em prol duma maior competitividade no treino porque eu não quero perder o lugar na equipa.
O regresso ao mercado de solteiros fez-me olhar de novo para a noite de Varsóvia, ou se calhar foi Varsóvia que voltou a olhar para mim com aqueles olhos gulosos que começam a abrir logo na quinta-feira para só fecharem na manhã de domingo. Sinto de forma cada vez mais intensa os apelos das ruas do centro da cidade, os bares da Mazowiecka e da Nowogrodzka, os Pawilony e as casas de vodca da Nowy Świat, lugares ideais para a vida airada mas perigosos para quem se quer manter são. A cidade telefona, manda mensagens, mete-se comigo no facebook, pergunta e convida, é um jogo constante de gato e rato ao qual tenho sabido resisitir em nome do futebol.
Ontem experimentei a sorte e fui dar um giro com um companheiro português também outro recém-regressado ao clube da malta soltinha, ver como está a Cidade Capital, cumprimentá-la de noite que já há muito não acontecia, olhar para o que se passa na Chmielna e na Foksal, ruas importantes na movida varsoviana. Ele combinou um blind date, uma daquelas coisas que há nos filmes americanos, eu servi de par na lusitana dupla atacante daquela noite e entrámos em campo dispostos a assinar uma boa exibição. Começámos de forma ligeira porque entradas de leão resultam em saídas de sendeiro, o meu comparsa cautelosamente a matar saudades do Jack Daniels, eu mantive-me fiel à minha convicção abstémia e chupei um smoothie de morango e Red Bull, mojitos para as meninas. A língua desemperrou e passaram-se três horas de conversas e gargalhadas, mais uma rodada, já passava da meia-noite e as miúdas propuseram mudança de lugar e de bebida porque era hora de coisas mais sérias e a vodca tinha de escorrer. Joguei a carta do carro, estou a conduzir e não posso beber, para evitar a conversa do costume - ah, não bebes porque já estás velho - porque o problema da vodca é o mesmo do medronho quando é bom, a primeira é um veneno, a segunda é água e as seguintes sabem a mel. Servi uma cytrynówka aos meus companheiros de noite, anunciei a minha retirada devido ao facto de me ter levantado cedíssimo (o que até nem era mentira), despedi-me e meti-me no carro a caminho de casa já antevendo um consolado sono. Durante a viagem o telefone brilha e desvia-me do curso e do plano, uma proposta daquelas que não se consegue recusar, o sono podia esperar pelo menos mais umas horas.
Gotas de chuva num parapeito alheio despertaram-me para a manhã adulta de sábado, o ansiado regresso a casa fez-se sob precipitação indecisa, uma chuva que não sabia se ficava ou se ia embora de vez. Era o meu estado de espírito, tão bem que me soube o aperitivo que pensava em repetir a dose na noite seguinte apesar de saber que era melhor aguentar os cavalos e abrigar o corpinho porque domingo há jogo. No carro tocava um cd dos Delfins, o Miguel Ângelo dizia que 'quando alguém nasce, nasce selvagem'. Sorri e perguntei aos meus botões: Será que também morre selvagem?
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