Há sempre a esperança que se sente um chuchu ao nosso lado, uma companhia bonita e adorável para passar o tempo da viagem, um foco de atenção diferente do habitual livro para matar quatro horas a retorcer as pernas por não ter lugar onde as pôr. Há sempre a expetativa de apanharmos uma linda moça no assento junto ao nosso, meter conversa, trocar números de telefone, combinar cafezinhos ou caipirinhas, prestar-se a mostrar a região e os encantos que não vêm nos guias mas que só os indígenas conhecem, a hospitalidade lusitana à disposição. Confiamos também num lugar à janela para mirar o planeta de cima, reconhecer rios e vilas, adivinhar montanhas e vales, procurar as casas de amigos e familiares. Pois bem.
O avião partiu com duas horas de atraso em relação ao previsto, zanga amenizada com um lugar dos tais à janela para eu poder apreciar Varsóvia diminuir progressivamente até se tornar um mosaico de contornos escuros gradualmente substituidos por outros verdes e finalmente por uma extensa mancha de cor indefinida sem prédios nem estradas, um grande vazio que depois desaparece de vez tapado pelas nuvens que adoram cobrir a Cidade Capital. Já eu sonhava ter a fila de assentos só para mim quando chega uma jovem mãe com o filho de 5 ou 6 anos que olha para mim, instalado de livro em riste, e choraminga:
- Eu quero ir à janela. Porque é que eu não posso ir à janela…
A mãe explicou que eles tinham os lugares que tinham e eu pensei que era uma excelente resposta porque nem por sombras eu ia abdicar do meu rico lugarinho panorâmico e dá-lo àquele patife cabelo de lixívia que não sabe avaliar a bela vista que teria sob os olhos.
- Minha senhora, – disse eu – ele pode ficar no meu lugar, não me importo de ficar na coxia – pensando que seria melhor passar-lhe o lugar e aproveitar a felicidade do puto para passar pelas brasas.
Um gesto de cortesia portuguesa que havia de me custar o sossego pois cedo o miúdo descobriu no outro lado do corredor um outro miúdo com jogos num tablet e começou a pular entre a janela e a coxia, condenando o meu sono a um plano efémero e exageradamente otimista. Depois de dar muita porradinha nas minhas pernas e de tentativas infrutíferas de pegar num superficial sono, a mãe daquele terrorista-mirim teve piedade de mim e propôs-me a devolução do MEU lugar, desesperadamente aceite e devidamente gozada com uma soneca instantânea somente interrompida com o sinal de descida para Faro.
A Ria recebeu-me serena e em tons de azul pacífico, sem especial pompa mas bebeu logo uma imperial comigo. Ali ficamos os dois à conversa para matar saudades, como dois amigos que há muito não se viam. A Ria é fixe e é sempre bom voltar a vê-la.
Sem comentários:
Enviar um comentário