Dá gosto passear por Varsóvia agora que o tempo está melhor, o meu trabalho permite-me ter estes pequenos luxos e investir tempo no ócio, observar as pessoas e a cidade. Gosto disso, dá-me um prazer enorme olhar para as formigas trabalhadoras com o ar de supremo gozo próprio de quem é dono do seu próprio tempo e pode administrar os minutos do dia a seu bel-prazer, a cigarra que desfruta do sol enquanto o exército de operários marcha de laptop a tiracolo, passo certo e combinado no ritmo e nas cores sóbrias dos casacos, soldados de cabelo curto e claro que olham para mim com zanga – dizia inveja por não poderem fazer o mesmo que eu. Eu posso respirar o ar da rua sempre que quiser, eles não. Temos pena.
Uma rapariga alta corre para apanhar o autocarro e eu ajudo-a com o olhar, ela corre algo desastradamente procurando equilibrar-se nos saltos altos e desiste quando vê que não consegue ganhar a guerra contra os sapatos e a saia curta. Passo por ela e rio-me da sua falta de jeito, ela recordou-me os cisnes que são belos e formosos sobre a água mas perfeitamente atrapalhados em terra. Ela percebe e baixa a cabeça num sorriso comprometido, talvez envergonhada pela cena que protagonizou. Gostei da reação dela, a vida tende a ser bem menos complicada se nós soubermos rir de nós próprios.
Eu posso gabar-me de dizer que gosto do que faço, principalmente das vantagens de ser um trabalhador liberal no ponto de vista da flexibilidade do horário, e posso gabar-me de poder vadiar quando quero. Posso olhar para as almas repetitivas que vejo através das vidraças dos arranha-céus de Varsóvia, seres engaiolados que martelam em teclas de computador durante horas que se tornam meses. Ganham bem, têm belas gravatas e fatos caros, provavelmente uma inscrição no ginásio mais chique da terra e dentista gratuito. Uma série de benesses que servem para recompensar a total e obrigatória falta de criatividade e liberdade de espírito que estas pessoas formatadas patenteiam; quantas vezes me encontro com elas aos fins de semana e não lhes consigo extrair uma gota de sumo? A futilidade, os lugares-comuns, o ter em vez do ser. Execro essa vida vazia, essa sucessão de unidades de tempo iguais e assopro o passo até perto da estação de comboios suburbanos que abastece a Cidade Capital de mais operários, mais obedientes, mais robôs que trotam em direção aos transportes públicos como gestos programados e automáticos, fechados nos seus mundos de mp3. O tropel dos tacões diverte-me e eu sento-me num banco vendo-os, imaginando de onde vêm e a que horas terão acordado. Alheios, os jardineiros arranjam os canteiros para embelezar o largo, penteiam a relva curta e pisada com ancinhos para lhe darem cores mais primaveris e limparem os últimos vestígios de inverno.
Às vezes penso que, para algumas pessoas, os dias em Varsóvia são todos iguais como o devem ser em todas as grandes cidades mas depois recordo que os dias em Faro eram ainda mais iguais com a agravante de existirem as mesmas caras e os mesmos sítios, pouco muda e pouco de novo há para contar. Sentar-me neste banco em pleno coração da capital polaca a ler um livro faz-me sentir estar noutra realidade, num mundo muito mais amplo onde há mais lugares, mais pessoas e mais coisas para descobrir e conhecer. Mantendo a humildade de nunca esquecer as minhas raízes e de considerar a minha cidade a melhor do Mundo (e arredores) não posso deixar de sentir uma felicidade enorme de estar em Varsóvia, viver esta terra na sua plenitude e de sentir o prazer inefável de sentir um corpo feminino chegar-se perto de mim, interromper-me a leitura e dar-me os bons dias.
É óbvio que eu nunca escreveria estas linhas em Janeiro, nessa altura estaria muito provavelmente num café com um patrício a maldizer o clima desta terra e repetindo o título deste artigo vezes sem conta.
6 comentários:
Perder a capacidade de me rir de mim própria, era perder a consciência do que sou. Concordo plenamente contigo, é bom sabermos rirmo-nos de nos! É sinal que conseguimos ver nos tal qual somos , de dentro para fora.
Acredito convictamente, que se não fosse plo meu pequeno Miky, não estaria a viver nesta cidade neste momento.. Não porque não goste dela, adoro-a! Só porque acho importante vivermos coisas , para alem do que vem nos livros, mas como não vivemos de ses.. cá estamos, e bem!
Também acho q é possível viver bem e desfrutar em qualquer lugar do mundo(com uma ou outra condicionante como o clima :) ) . O importante é estarmos de bem connosco e com a vida, os lugares não têm culpa das frustrações das pessoas... Digo isto porque conheço pessoas, q passam a vida a mudar de cidade em cidade, e nunca estão bem. Mudam de cidade e criam, a ilusão de q o proscimo lugar para onde vão viver lhes vai trazer a felicidade, mas esquecem q levam consigo o seu interior todo desarrumado, e ao fim de seis meses passou a novidade e esta tudo na mesma... Estão de mal com a vida!
Desfruta !!!
Desfruta, q aqui esta amiga vai passar de cigarra a formiga e trabalhar umas horinhas :)
Bjinhos
Sílvia Dias
"mas esquecem q levam consigo o seu interior todo desarrumado"
e quando assim é nem o macgyver os salva.
desfruta tu também, miga, porque isto são dois dias e hoje já conta.
bjufas da cigarra (que mesmo assim hoje começou às 8:00 e acabou às 20:45).
Desfruta ao máximo porque quando se é trabalhador dependente há muito por onde começar a falar. Os patrões sejam lá onde for quase todos eles são essa espécie que não deveria existir sempre com a mesma atitude que a polícia. Se não multam por uma coisa multam por outra. O patrão ou os chefes polacos não andam muito longe dessa realidade. E nem falo na maneira de gerir que é de bradar aos céus.
É como se o conservadorismo polaco foi decapitado em uma fração de segundos na queda do avião. Novos tempos irão soprar em direção à Polonia.
há males que vem para o bem, meu amigo
Gostei do post!
:)
Abraço,
Fernnado
anónimo do dia 21,
acho que não, o irmão está aí e tem a simpatia emocional de todo o país a seu favor.
oxalá me engane.
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