Há coisas que não nos incomodam até darmos por elas. A partir do momento em que nos apercebemos que elas existem, penetram no nosso íntimo desestabilizando-nos, perturbando-nos e levando-nos à mais primária forma de irritação. Coisas tão fúteis como o toque do carro do
Family Frost, a buzina da furgoneta das hortaliças, o vizinho do 3º J que tem os olhos sempre esbugalhados quer seja de manhãzinha ou ao fim da tarde, o intenso aroma da água de colónia de 5ª categoria que aquela rapariga arrasta consigo deixando um lastro de peste atrás de si, o tipo chato como a potassa que te espreme num abraço demasiado amistoso e pergunta-te 15 vezes “como é que estás, tá tudo bem?”. Estes são exemplos de coisinhas idiotas, simples e corriqueiras que fazem parte do quotidiano de cada qual sem que tenham grande peso no devir do dia. Chega um momento em que temos de dizer basta. Basta de olhar para a tromba feia do vizinho que parece andar sempre ressacado ou com uma broa das antigas independentemente da hora do dia. Basta de snifar o fedor da chavala que prefere fazer como os espanhóis e lavar-se com perfume do que tomar banho. Basta de ser acordado cedo aos domingos com o toque chato do “la cucaracha” da Ford Transit do sr. Manuel mais as putas das nabiças e abóboras meninas que ele nos quer vender. Basta de nos incomodarem, de nos impingirem, de se meterem na nossa tranquilidade e na nossa vidinha.
O mundo transformou-se num gigante anúncio publicitário em que toda a gente quer fazer passar as outros a ideia de que há coisas de que temos falta, mesmo sem termos qualquer necessidade de tê-las. Alguns chamam a isso marketing, a arte de convencer o consumidor a comprar algo de que ele não precisa. O consumo dispara, o Homem entra na espiral da eterna insatisfação, quer o que não tem e tem o que não precisa ou o que já não deseja. Espreita-se a casa do lado com curiosidade e inveja se a tv do vizinho tem um ecran com mais polegas, se o pc dele tem um cpu mais veloz, se o carro dele tem mais cavalos ou se a namorada dele usa um soutien 38. É o Big Brother global, o voyeurismo do séc XXI no seu melhor e um exemplo cabal desse comportamento está patente nos hábitos modernos de comunicação, como os portais de perfis pessoais que abundam na net do género do WAYN, hi5, Facebook.
Resisti a essa febre, muitos dos meus amigos já estavam registados no hi5 e perguntavam-me quando iria também aderir à ideia. Não achava piada ao conceito de ter a minha personalidade e intimidade exposta à saciedade e só muito tarde anuí e decidi criar o meu perfil com algumas informações sobre me, myself and I. Nada de revelações chocantes e apenas algumas fotos de circunstância. Esse gesto acabou por tornar-se um hábito e uma tradição diária, ver quem me visitou, responder ás mensagens e pedidos de amizades, actualizar o estado (de espírito), dizer aos outros o que se estava a passar comigo. Depois veio a mudança para a Polónia e um dever moral de comunicar com todos os que deixei em Portugal. O relato das diferenças entre Faro e Varsóvia e as experiências por certo interessantes da minha vivência em terras polacas são importantes para a minha família, amigos e para todos os que consultam o espaço para os fins mais diversos. Mais um veículo de divulgação sobre a minha pessoa, mais uma forma de dar a conhecer ao mundo o que ando a fazer, mais um olho em cima de mim com a atenuante de ser eu quem controla esta camera e de só passar a informação que eu quero.
Nas frequentes visitas que faço a blogues amigos ou de referência encontrei uma nova ferramenta que se utiliza para comunicar em tempo real, o
twitter. Informei-me das suas capacidades e instalei o referido software, estudei as potencialidades do programinha e tratei de actualizá-lo com os passos do meu dia-a-dia e respectivas amizades. Há dias o programa mandou-me uma mensagem dizendo que fazia tempo que não o actualizava e que os amigos que me seguem queriam saber o que se passa comigo. Essa mensagem fez-me reflectir.
Será que é através do twitter, do estado do hi5 ou do Facebook que os meus amigos vão colher informações sobre mim? Será que eles já não mandam e-mails, sms ou telefonemas para perguntar como estou? Eu quando quero saber deles escrevo-lhes, telefono-lhes, ligo pelo skype, porque é que tenho de actualizar informação que por vezes nem sequer existe? Haverá alguém no mundo que tenha todos os dias tão diferentes uns dos outros que tenha sempre razões suficientemente interessantes para actualizar diariamente um blogue, um twitter, um Facebook ou um hi5? Não tenho direito a ter um dia... “normal”? Paparazzis informáticos?
Às vezes olho para os perfis de malta amiga / conhecida no Facebook e vejo coisas do tipo “Kasia is happy”, “Paulo is working a lot” , “Jan reading a good book”. Além de, por vezes, notar o completo desrespeito pelas mais elementares normas gramaticais, constato um vazio enorme de boas ideias e razões plausíveis para escrevinhar três ou quatro coisinhas com trambelho e que realmente transmitam uma mensagem útil ao mundo. Dá-me vontade de escrever-lhes sugerindo uma corda em volta do pescoço, um salto para o rio (ou para a Ria) de pés e mão atados por correntes ou um duche de napalm para pôr um fim misericordioso àqueles “estados” de caca.
A minha vida não é tão rica assim e não sou tão célebre para que me estejam sempre a acontecer coisas do arco-da-velha passíveis de serem propagandeadas aos sete ventos. Se forem consultar o meu Facebook ou hi5 constatam que passam-se dias sem serem actualizados porque não há nada de relevante para contar ou porque o que há de relevante para ser contado está escrito no blogue. Assim sendo, seguindo a coerência que a minha consciência determina, vou encerrar a minha conta no twitter. Não acho interessante dizer que hoje acabou-se o champô e tive de lavar a cabeça com Super Pop, que os flocos de neve estão a cair com uma inclinação de 30º ou que acordei com um torcicolo no dedo mindinho do pé. Quem quiser saber de mim já conhece os meios que utilizo para comunicar, como este blogue que tão prazeirosamente preparo para os leitores. Ou então telefonem e combinemos uma cervejinha, a minha hibernação já terminou.