É um daqueles dias em que não me apetece sair de casa. Não porque o tempo esteja mau mas porque o humor não está para grandes convívios. Há dias assim, dias cabrões como diz o povo da minha terra, dias em que até o barbear aborrece. Dias em que acordo a pensar em voltar logo para a cama, não apetece fazer nada apesar do tanto que há para fazer. Só dá vontade de fazer as coisas mais elementares como coçar onde há comichão e relaxar os esfíncteres desde que tal não implique tarefas posteriores. Apetece mais passar fome do que fazer o pequeno-almoço, só a trabalheira que dá mexer o café no leite e barrar manteiga no pão - ainda mais essa, ter de ir ao pão! Ah, hoje é um dia daqueles, daqueles dias cabrões.
Os dias cabrões são os piores dias porque são os dias em que nada se passa, nada que nos chute para fora da modorra que se estende até à hora do treino, única altura do dia em que me apercebo que tenho qualquer coisa líquida a circular nas artérias. Isto deve ser da falta de trabalho, andamos num período de exames e a malta recolhe em casa para marrar deixando de poder dar atenção às aulas particulares e mirrando os proventos do professor. Os riscos duma profissão liberal.
É nestes dias em que mais me esforço para ver o sol que brilha além da neblina porque não há mal que sempre dure, a porra é quando um gajo se vai abaixo e deixa de acreditar em dias melhores. Se calhar não é a neblina que mais me afeta, é mais conseguir ver esse sol sabendo que ainda falta um bom bocado até que ele esteja por cima de mim. Às vezes sinto-me como naquele filme em que o recluso sabe que foi inocentado, sabe que vai ser libertado mas não sabe quando isso acontecerá e que conta cada dia que passa como mais um dia na choldra em vez de considerar esse dia como menos um que falta até se tornar um homem livre.
Acabo por pegar no carro e sair pela cidade fora, meter-me em ruas que nunca tinha percorrido em distritos aos quais nunca tinha ido e abancar em cafés que nunca tinha visto. É um bom companheiro, o café. Foi preciso emigrar para eu começar a beber café, primeiro para despertar a meio das tardes de inverno quando o escuro embala o corpo e depois como auxiliar de escrita e leitura como o cão que se aninha no tapete aos pés do dono, é aconchegante e confortador. No treino a coisa corre bem. O homem coloca-me a fazer finalização num ambicioso exercício em que tenho de fazer passar o tiro num estreito espaço entre duas varas, ele atira-me bolas cheias de carapaus e quer que eu chute sem preparação. A primeira bola vai à gaveta, um golo da Eurosport que arranca aplausos aos colegas (brawo, profesorze!), a segunda vai fraca à figura e a terceira, puxada ao pé esquerdo, é atirada em trivela para uma parada monumental do guarda-redes que também merece aplausos. Jogar futebol tem um certo efeito terapêutico em mim, deixo as toxinas todas no campo, volto para casa mais tranquilo e com menos propensão em pensar em tristezas. Termino o dia de pijama sorvendo uma sopinha de ovo feita pela minha companheira de noites tristes e a ouvir as calamidades solenes que o Primeiro-Ministro português profere nas celebrações da caricatura e partido político a que preside, um partido pelo qual eu até tive simpatia no tempo em que defendia valores idênticos aos meus.
Epiteto escreveu um dia que "o Homem não se preocupa tanto com um real problema quanto com a ansiedade imaginada em torno desse problema". É capaz de ter razão, se pusermos o problema em perspetiva. Não há nada que seja tão terrível que não tenha solução e se não tiver solução é menos uma coisa com a que nos temos de preocupar. Haja saúde e um par de braços para trabalhar porque amanhã o sol nasce outra vez e nós já sabemos que Varsóvia não deixa ninguém parar para limpar o suor.
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