O 'mishanapolonia' conseguiu chegar à fala com o mais recente reforço do Inter Warszawa, Nuno Bernardes. À conversa com o blogue, Nuno comentou o seu surpreendente regresso aos relvados e contou-nos como tem sido a sua adaptação a um novo futebol.
mishanapolonia - Nuno, um regresso ao futebol quase a atingir 40 anos. A pergunta impõe-se: Porquê?
Nuno - Porque quem praticou futebol oficialmente como eu pratiquei durante quase 20 anos fica sempre com o bichinho. Deixei de jogar pouco antes de vir para a Polónia mas nunca resisti a uma bola que saltasse na rua e não descansei enquanto não encontrei um grupo de peladinhas de fim-de-semana para matar a vontade, daí até pensar em voltar a jogar federado foi um saltinho.
m - Mas aos 39 anos não é vulgar ver-se regressos ao futebol, é mais uma idade adequada para a reforma e um estilo de vida mais pacífico.
N - Talvez seja, mas eu sempre andei contra-corrente (risos). O facto é que me apercebi que ainda estou em condições físicas aceitáveis e nos jogos com os amigos nunca corria menos que os meus colegas (bem) mais novos, era mais competitivo que os outros, aguentava sempre a pedalada e sentia-me confortável em campo. Por isso decidi experimentar de novo o futebol de 11, por uma questão de gozo. Para saber se aguento uma época de treinos e jogos e para poder um dia contar aos netos que o avô jogou no estrangeiro.
m - E como tem corrido esse regresso?
N - Muito bem. Encontrei colegas com muito entusiasmo pelo futebol e que me acolheram bem apesar de eu ser o mais velho de todos, oito anos mais velho do que o seguinte. Não tem havido problema.
m - Mesmo com a linguagem?
N - A linguagem do futebol é universal e rapidamente se aprendem os básicos. Czas, do niego, szanuj, jestem, masz são coisas que se aprendem depressa. Também não é preciso ser um licenciado em filologia para comunicar dentro de campo.
m - O futebol polaco é muito diferente do futebol português?
N - Completamente. A única coisa em comum é a bola, o resto é outra história. Na Polónia encara-se a baliza como o lugar onde a bola deve estar, então estica-se rapidamente a bola na frente e todos os jogadores correm que nem doidos para a baliza do adversário. É aí que a coisa fica complicada para mim porque já não tenho pernas nem caixa para ir atrás deles nem para encarar sozinho a transição. Às vezes aparecem-me dois e três na ressaca e tenho de mandar um pela proa para evitar males maiores.
m - Então o que faz para se adaptar a esse futebol?
N - Tento impor o meu, bola no chão, progressão com os colegas, passes simples mas pela certa, dou atrás para ir buscar na frente, quase sempre tento o um-dois. Não fui criado na escola britânica, não sei jogar em chutão nem sou queniano para correr como louco, jogo como sei e tento explicar aos meus colegas que a bola não se cansa e por isso é a bola que tem de correr.
m - E eles compreendem-no?
N - Pela reação deles eu percebo que eles me compreendem e que até tenho uma certa razão, mas aquilo está-lhes na massa do sangue e muitas das vezes que eu peço a bola porque estou sozinho tenho como resposta um barroaço na frente para o nosso avançado que está com três em cima. Apetece-me esganá-lo mas tenho de manter a cabeça fria.
m - Já fez um jogo que não correu lá muito bem...
N - Pois foi. Perdemos 2-5 em casa na estreia para o campeonato. Foi um jogo bizarro, fomos para o intervalo a ganhar por 1-0, aos 47 mins sofremos o 1-1, o treinador manda-me aquecer para dar alguma calma ao meio-campo, levamos o 1-2 aos 50 e o 1-3 quatro minutos depois logo após a minha entrada. Nem tinha tocado na bola e já tinha encaixado três batatas.
m - Para o meio-campo? Mas o Nuno não era guarda-redes?
N - Era mas decidi que ia jogar de campo. Já não tenho vida para meter a cabeça onde os outros metem os pés.
m - No jogo aconteceu o que se chama ter galo.
N - Não foi galo, foi azelhice mesmo. Havia jogadores que sentiram nitidamente o peso da estreia e nem conseguiam dominar uma bola, tremiam que nem gelatina. Serviu para aprender. Não se pode sofrer 3 golos em 7 minutos.
m - Como lhe correu o jogo a nível individual?
N - Mal porque perdemos e eu não gosto de perder nem nas paciências. Senti que ainda não tenho os níveis físicos necessários para aguentar 90 minutos e perdi alguns duelos individuais na força, mas com treinos regulares isto vai ao lugar. Consegui no entanto algumas aberturas interessantes, parece que ainda meto a seta onde meto o olho (risos).
m - Nuno, que expetativas para esta época?
N - Não me lesionar e jogar bem para ajudar a equipa. Já conheço bem os sinais que o meu corpo me manda, os ligamentos e os adutores são muito caprichosos, reclamam frequentemente e por esse motivo tenho de gerir o esforço. Também preciso de descansar mais porque a capacidade de regeneração não é a mesma, menos álcool, menos refrigerantes, mais sono. Vai ser complicado compatibilizar o futebol com o trabalho como DJ mas quem corre por gosto não cansa. Fundamentalmente quero acabar a época fisicamente em bom plano para ver se na temporada seguinte repito a experiência.
m - O quê? Pensa jogar na próxima temporada?
N - E por que não? Se a carcaça aguentar o cachão desta época por que não hei-de fazer mais um ano? Adoro treinar, adoro o jogo, adoro o ambiente do balneário, o ritual de me equipar, sair de noite ao frio só para estar com a rapaziada. Só quem nunca jogou futebol é que não compreende o que é a paixão pelo futebol, o que nos leva a abandonar o quentinho de casa para levar porrada à chuva, torcer pés, boladas na cara, canelas roxas, cabeçadas e punhadas e ainda pagar do próprio bolso. A alegria dos colegas quando se marca um golo é paga suficiente para todos estes sacrifícios. O futebol é a coisa mais bela do mundo e eu só tenho de agradecer os generosos cromossomas que tenho que me permitem continuar a desfrutar da minha paixão.
mishanapolonia - Nuno, um regresso ao futebol quase a atingir 40 anos. A pergunta impõe-se: Porquê?
Nuno - Porque quem praticou futebol oficialmente como eu pratiquei durante quase 20 anos fica sempre com o bichinho. Deixei de jogar pouco antes de vir para a Polónia mas nunca resisti a uma bola que saltasse na rua e não descansei enquanto não encontrei um grupo de peladinhas de fim-de-semana para matar a vontade, daí até pensar em voltar a jogar federado foi um saltinho.
m - Mas aos 39 anos não é vulgar ver-se regressos ao futebol, é mais uma idade adequada para a reforma e um estilo de vida mais pacífico.
N - Talvez seja, mas eu sempre andei contra-corrente (risos). O facto é que me apercebi que ainda estou em condições físicas aceitáveis e nos jogos com os amigos nunca corria menos que os meus colegas (bem) mais novos, era mais competitivo que os outros, aguentava sempre a pedalada e sentia-me confortável em campo. Por isso decidi experimentar de novo o futebol de 11, por uma questão de gozo. Para saber se aguento uma época de treinos e jogos e para poder um dia contar aos netos que o avô jogou no estrangeiro.
m - E como tem corrido esse regresso?
N - Muito bem. Encontrei colegas com muito entusiasmo pelo futebol e que me acolheram bem apesar de eu ser o mais velho de todos, oito anos mais velho do que o seguinte. Não tem havido problema.
m - Mesmo com a linguagem?
N - A linguagem do futebol é universal e rapidamente se aprendem os básicos. Czas, do niego, szanuj, jestem, masz são coisas que se aprendem depressa. Também não é preciso ser um licenciado em filologia para comunicar dentro de campo.
m - O futebol polaco é muito diferente do futebol português?
N - Completamente. A única coisa em comum é a bola, o resto é outra história. Na Polónia encara-se a baliza como o lugar onde a bola deve estar, então estica-se rapidamente a bola na frente e todos os jogadores correm que nem doidos para a baliza do adversário. É aí que a coisa fica complicada para mim porque já não tenho pernas nem caixa para ir atrás deles nem para encarar sozinho a transição. Às vezes aparecem-me dois e três na ressaca e tenho de mandar um pela proa para evitar males maiores.
m - Então o que faz para se adaptar a esse futebol?
N - Tento impor o meu, bola no chão, progressão com os colegas, passes simples mas pela certa, dou atrás para ir buscar na frente, quase sempre tento o um-dois. Não fui criado na escola britânica, não sei jogar em chutão nem sou queniano para correr como louco, jogo como sei e tento explicar aos meus colegas que a bola não se cansa e por isso é a bola que tem de correr.
m - E eles compreendem-no?
N - Pela reação deles eu percebo que eles me compreendem e que até tenho uma certa razão, mas aquilo está-lhes na massa do sangue e muitas das vezes que eu peço a bola porque estou sozinho tenho como resposta um barroaço na frente para o nosso avançado que está com três em cima. Apetece-me esganá-lo mas tenho de manter a cabeça fria.
m - Já fez um jogo que não correu lá muito bem...
N - Pois foi. Perdemos 2-5 em casa na estreia para o campeonato. Foi um jogo bizarro, fomos para o intervalo a ganhar por 1-0, aos 47 mins sofremos o 1-1, o treinador manda-me aquecer para dar alguma calma ao meio-campo, levamos o 1-2 aos 50 e o 1-3 quatro minutos depois logo após a minha entrada. Nem tinha tocado na bola e já tinha encaixado três batatas.
m - Para o meio-campo? Mas o Nuno não era guarda-redes?
N - Era mas decidi que ia jogar de campo. Já não tenho vida para meter a cabeça onde os outros metem os pés.
m - No jogo aconteceu o que se chama ter galo.
N - Não foi galo, foi azelhice mesmo. Havia jogadores que sentiram nitidamente o peso da estreia e nem conseguiam dominar uma bola, tremiam que nem gelatina. Serviu para aprender. Não se pode sofrer 3 golos em 7 minutos.
m - Como lhe correu o jogo a nível individual?
N - Mal porque perdemos e eu não gosto de perder nem nas paciências. Senti que ainda não tenho os níveis físicos necessários para aguentar 90 minutos e perdi alguns duelos individuais na força, mas com treinos regulares isto vai ao lugar. Consegui no entanto algumas aberturas interessantes, parece que ainda meto a seta onde meto o olho (risos).
m - Nuno, que expetativas para esta época?
N - Não me lesionar e jogar bem para ajudar a equipa. Já conheço bem os sinais que o meu corpo me manda, os ligamentos e os adutores são muito caprichosos, reclamam frequentemente e por esse motivo tenho de gerir o esforço. Também preciso de descansar mais porque a capacidade de regeneração não é a mesma, menos álcool, menos refrigerantes, mais sono. Vai ser complicado compatibilizar o futebol com o trabalho como DJ mas quem corre por gosto não cansa. Fundamentalmente quero acabar a época fisicamente em bom plano para ver se na temporada seguinte repito a experiência.
m - O quê? Pensa jogar na próxima temporada?
N - E por que não? Se a carcaça aguentar o cachão desta época por que não hei-de fazer mais um ano? Adoro treinar, adoro o jogo, adoro o ambiente do balneário, o ritual de me equipar, sair de noite ao frio só para estar com a rapaziada. Só quem nunca jogou futebol é que não compreende o que é a paixão pelo futebol, o que nos leva a abandonar o quentinho de casa para levar porrada à chuva, torcer pés, boladas na cara, canelas roxas, cabeçadas e punhadas e ainda pagar do próprio bolso. A alegria dos colegas quando se marca um golo é paga suficiente para todos estes sacrifícios. O futebol é a coisa mais bela do mundo e eu só tenho de agradecer os generosos cromossomas que tenho que me permitem continuar a desfrutar da minha paixão.
Foi assim a conversa com o camisa 3 do Inter Warszawa, Nuno Bernardes. Boa sorte e que não lhe amassem muito o chassi porque peças para este modelo já não se fazem mais.
3 comentários:
GRANDE REPORTAGEM... Há dias, qd vi um post teu no facebook, fiquei n dúvida... ok, umas peladas, ou algo parecido com torneios concelhios...
Mas agora li tudo e, meu amigo, cqe caixinha de surpresa que me saíste!!!
Não só voltas a jogar meia dúzia de anos depois, como deixas as redes p entrar no meio campo e (dizes tu) "pôr a bola no chão"...
Oxalá a carcaça aguente e vás-te lembrando de ir escrevendo mais umas histórias do género para arrancar uma gargalhada ao lê-las como esta.
Agora, cheira-me que não aguentas mt tempo no campo, se não deixas de calçar... atão entras "para segurar" e dar experiência e levas 3 batatas em 7 minutos???
Tira mas é o frangueiro da baliza e mete-te lá!!!
Depois, a ver se não dizes (em Polaco) "é minha!!!! já não é, já não é!!!
Grande abraço
amigo valério, duas coisas:
quando eu entrei havia 1-2, ou seja, já tinham marcado 2 dois tais 3 golos em 7 minutos. o texto é claro.
e em que jogo é que eu disse isso?
Sov,
É pá granda texto! Caraças só mesmo nós, os doentes da bola, é que compreendemos porque ainda vamos jogar à bola aos 90 anos (risos), se lá chegarmos, o que eu dúvido muito!
Muitas vezes me lembro de um raio de um póster publicitário ao Euro2004, que vi algures lá fora não me recordo onde, onde estavam todos os manda-chuvas europeus em pose de foto de família, e havia uma bola de futebol lá no canto esquerdo do painéis. E estava tudo a olhar em frente para a foto, menos um sacana (que não me recordo qual era) que estava a fitar a bola. O gajo estava mesmo com cara de: é pá, deixa lá dar uns toques! E é que é mesmo aquilo... uma bola, seja lá onde esteja, tem que ser tocada... uns toques, umas fintas, umas brincadeiras, uns remates. Naquela publicidade estava tudo tudo. Nunca mais dei com esta imagem, e até já andei pelo Google à procura!
Este é o vício, de facto. Ainda no outro dia estava no placo dos sonhos (sintético de fut7 numa escola perto) e fiz uma jogada magistral (à Messi) que deu num golo medonho!!! Parecia o antigamente, pura loucura.
Depois, há um canto a nosso favor: O tipo centra a bola, bem tensa, e eu, em delírio total, vejo-a perfeita para um remate lateral no ar... É minha!!!!! Era o eras... Entendi uma coisa importante: acho que o nosso problema é o cérebro (para o futebol) não envelhece à velocidade do corpo. Na minha cabeça 'era minha' agora o corpo já não acha o mesmo. É o que é...
Abraços deste país à beira-mar plantado!
Pédro
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