sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Giz

Giz na Universidade Os polacos ficam incrédulos quando lhes digo que os filmes que passam nas salas de cinema portuguesas têm intervalos, eles não percebem para que serve um intervalo no meio da projeção e eu procuro explicações racionais para o facto dizendo que às vezes a pausa cai bem para irmos à casa de banho ou para os fumadores satisfazerem o vício. A explicação não serve de muito pois eles alegam que tratam das suas necessidades antes de irem para o cinema, o que faz sentido, e que não faz sentido parar a exibição ou o visionamento dum filme para fumar a merda dum cigarro, o que também tem lógica. É como se fizesse um coffee-break num jogo de ténis em Wimbledon ou uma pausa para um refresco numa apresentação da Aïda em Milão, são circunstâncias de alguma solenidade que não devem ser interrompidos por imperativos tão frívolos como um xixi fora de timing.

 

Acho que Portugal deve ser um dos poucos países na Europa a ter intervalos nos filmes exibidos nos cinemas, a Polónia deve ser um dos poucos (ou o único) países na Europa a ter o irritante lektor a rezar missa em filmes de murro, pontapé e estalo. E paus de giz quadrados, será só na Polónia ou há mais pela Europa? É que no meu tempo os paus de giz em Portugal eram cilíndricos…

Giz quadrado

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Polónia – Portugal, mas onde? (EDITADO)

Estádio em 2008 A inauguração oficial do Estádio Nacional, estrutura-chave do Euro2012 com capacidade para 58.000 espetadores, foi planificada com várias iniciativas tendo como prato forte um jogo de futebol entre as seleções principais da Polónia e de Portugal, desafio que excita os polacos pela possibilidade de verem evoluir no seu estádio nomes grandes do desporto-rei como Cristiano Ronaldo, Nani, Pepe, Coentrão entre outros. A obra, orçada em quase 370 milhões de euros, tem sido flagelada por inúmeros problemas que têm protelado a sua abertura ao público sendo que a última polémica está relacionada com a colocação do relvado prevista para o dia 9 de Fevereiro, dois dias antes da realização da Final da Supertaça da Polónia entre as equipas da Legia e do Wisła Kraków.

Além disso, a equipa de técnicos que vistoriou o estádio deu um parecer negativo aos acabamentos da obra e prolongou os trabalhos por mais umas semanas, tempo que é cada vez mais reduzido e precioso pois noEstádio em 2009 dia 29 do corrente mês está programado um evento musical no recinto, evento sobre o qual pairam agora nuvens muito negras. No que diz respeito ao futebol, o presidente da Federação Polaca de Futebol Grzegorz Lato já declarou que muda o Polónia – Portugal para Wrocław “se o Estádio Nacional não estiver pronto a tempo e horas” e que “não admite que a Seleção Nacional jogue num piso de terra ou num estádio impreparado” temendo que a relva não tenha tempo suficiente para se enraizar e consolidar dois dias apenas após a sua colocação. Um pouco à imagem do que aconteceu no Sporting – Manchester Utd que inaugurou o novo Estádio de Alvalade, a relva desprendia-se do solo a cada travagem, mudança de direção ou remates dos jogadores.

Estádio em 2010 O atraso na construção da segunda linha do metropolitano de Varsóvia impede que a estação Stadion contemple os passageiros que se quiserem deslocar ao Estádio Nacional para assistir às partidas do Campeonato da Europa e isso já corresponde a um passo atrás na rede de transportes que o Governo polaco pretendeu modernizar a tempo de servir a população residente e visitantes, a construtora que ganhou a empreitada do Estádio teme os 175.000 euros de multa que terá de pagarEstádio em 2011 ao Estado se o imponente recinto não for entregue dentro do prazo e os portugueses residentes na Polónia aguardam com ansiedade a notícia da venda de bilhetes para o jogo, restando saber se será disputado em Varsóvia… ou em Wrocław. Eu pessoalmente já vi este jogo mais perto de casa e considero seriamente a hipótese de fazer uma vaquinha entre os amigos e atestar o carro para um passeio à Silésia

Estádio em 2012

Todas as imagens retiradas de www.stadionnarodowy.org.pl

Entretanto os bombeiros já deram o seu aval à realização de eventos culturais e desportivos no recinto, segundo avança o jornal Sport.pl, e esta é menos uma dor de cabeça para os responsáveis do Estádio Nacional e para a Federação Polaca de Futebol que afirma agora a plena convicção de que o jogo Polónia – Portugal, integrado nas cerimónias de inauguração do estádio, se vai mesmo disputar no novo palco. O preço e data de início da venda dos bilhetes já foram divulgados e eu já posso dormir mais descansado.

domingo, 22 de janeiro de 2012

O que é que a gente tá aqui fazendo? - 12

Às vezes dá-me pena das coisas pelas quais o meu carro passa, como por exemplo levar com neve até ao pescoço enquanto o dono janta tranquilo e quentinho num restaurante de Varsóvia. Quando voltei para o meu carro ele fez-me a pergunta que dá título a este artigo.

Pobre carrinho

Desculpa, carrinho! Vamos já para casa, ponho-te na tua garagem em menos de nada e prometo atestar-te o depósito esta semana.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Dureza

Acordar às 6:20 da manhã, não sentir claridade a entrar no quarto – pior, nem esperar que essa mesma claridade se fizesse sentir – olhar para o termómetro exterior e ver marcados –8º.

Ai, cidade, que para isto já não tenho idade…

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Réquiem para um defesa central

A minha paciência chegou ao fim. Podem alegar que ele é um tipo extraordinário, que é um elemento aglutinador, que tem carisma e voz ativa no balneário mas a verdade é só uma – Para mim, Anderson Polga não tem condições para jogar mais um minuto que seja no Sporting.

Anderson Polga Chegou a Alvalade em 2003 como o primeiro campeão do mundo em título a representar as cores duma equipa portuguesa, título alcançado no Mundial da Coreia-Japão, um negócio em teoria extraordinário para o Sporting que contratava a custo zero um jogador de palmarés inquestionável. Anderson Corrêa Polga vinha rotulado como defesa central capaz de desempenhar também posições no meio-campo defensivo. A primeira temporada foi de bom nível com prestações bem conseguidas fazendo crer que o Sporting tinha contratado um verdadeiro patrão para aquela zona do terreno, autêntico calcanhar de Aquiles da equipa leonina nas épocas anteriores. Polga foi até considerado várias vezes para regressar ao escrete mas sempre acabou preterido em favor de nomes como Roque Júnior, Edmilson ou Lúcio, porém solidificava a sua presença no eixo defensivo do Sporting.

Mas foi sol de pouca dura e ao longo dos oito anos que Polga tem jogado de leão ao peito temos assistido a mais momentos de pânico e tensão nas suas intervenções do que mostras de qualidade e eficácia. Polga cedo perdeu a aura de solidez que trazia do Grêmio e começou a assinar erros atrás de erros, cada um mais crasso que o outro e a comprometer a equipa em lances capitais que terminavam em golo do adversário. Falho no tempo de salto e no ataque à bola, macio no desarme, desastrado no lançamento em profundidade e até no passe curto, inócuo nas subidas à grande área adversário em lances de bola parada, um ror de defeitos que anulam quaisquer qualidades futebolísticas que Anderson Polga tenha. Os danos que o central sportinguista tem causado à equipa de futebol são graves e irrecuperáveis, se bem que os resultados no futebol sejam consequência de esforço e trabalho coletivos a verdade é que as incontáveis barracas que Polga deu têm custado pontos no campeonato, eliminatórias desbaratadas, troféus perdidos. As suas atuações erróneas resultam invariavelmente em perdas dramáticas, quantos golos o Sporting já sofreu devido a intervenções desastradas do camisa 4?

Não ponho em questão a seriedade e honestidade do cidadão Anderson Corrêa Polga, acredito até que seja um exemplar pai e chefe de família, mas não o quero ver mais a jogar no Sporting para bem do Sporting e para bem dele porque no jogo de ontem começaram a ouvir-se assobios cada vez que o central tocava na bola e isso recorda-me os recentes casos de antipatia evidente entre o tribunal de Alvalade, Hélder Postiga e Yannick Djaló e não há muito tempo atrás com o mal-amado Hugo ou com Romagnoli. O público que se desloca ao Estádio de Alvalade está farto de mau futebol, tiveram doses industriais disso num passado recente e agora que a equipa demonstra potencial quer que o momento seja de esperança e quer acreditar que o Sporting está realmente no caminho de formar uma equipa ao nível da dimensão e pergaminhos que a história ilustre do Clube exige. Não pode o Sporting arriscar a fazer alinhar um jogador que atua sobre brasas e para quem a bola tem picos sob pena de se perderem mais jogos e de se imolar um futebolista. Que se poupe Polga a mais humilhações, que se poupem os adeptos sportinguistas a mais ataques de coração e que se resgate Nuno Reis da Bélgica (tal como inteligentemente fizeram com Renato Neto) ou que se dê moral a Tiago Ilori por pior do que Anderson Polga tem feito nos últimos anos é impossível fazerem.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Duma manhã de terça cheio de sono

Entro numa carruagem de metropolitano ainda a carregar o sono causado pela insuficiente noite anterior resultante duma maratona de verbos e pronomes de caneta vermelha em riste. É um milagre como não tenho olheiras que me delatem a sonolência, a preguiça esta manhã foi tanta que nem pus o gorro que me protege a moleirinha destes ventos frios que têm feito nos últimos dias, mas como achei passável o que vi no espelho do elevador não entrei em pânico, aceitei o ar dormente que tinha para apresentar à cidade e abalei para a luta. Espio um lugar, uma clareira ignorada pela multidão e encolho-me entre senhoras de casacos grossos e homens duas ou três vezes mais largos do que eu para atingir o poleiro, ainda penso que se o lugar está vago é porque está sujo ou amaldiçoado, teria alguém tido um ataque cardíaco naquele assento?, alguma grávida a quem lhe rebentaram as águas em pleno subsolo varsoviano?, porque estava aquele lugarinho ali a dar sopa como se tivesse um follow-spot a apontar para ele? Não me ralei com a resposta, lá me espremi e abanquei, puxei dos Capitães de Areia, obra-prima de um dos meus autores favoritos e enfio o nariz das páginas que relatam as peripécias de Pedro Bala, do Gato, Professor, Sem-Pernas e dos outros meninos protagonistas da história. Sempre um primor, as linhas de “Seu Jorge”.

Vai a composição a meio da viagem e cada vez mais gente se cutuca num apinhado vagão, eu feito sagorro não estou interessado nas guerras territoriais das pessoas. Enervam-me aqueles que entram e encostam-se logo a um dos lados lotando rapidamente os acessos em vez de se distribuirem pelos meios da carruagem onde geralmente há mais espaço e onde não precisamos de sentir a respiração dos outros no cogote, uma desnecessidade. Sigo alheio, mais um capítulo, mais uma estação até ao Centrum onde termino a leitura porque saio no poiso seguinte, levanto os olhos e estes chocam numas pernas altas, talhadas a escopro e plaina que sobem vertiginosamente até se fazerem nádegas sólidas e esféricas, fixamente suportadas pela saia de anil onde a vista pára e demora-se na apreciação. Invade-me um pensamento egoísta, o de ficar ali a velejar naquelas pernas rio acima e rio abaixo, ora subindo até à nascente ora em rápido até àquela impressionante foz de sensualidade imaginando se, qual Nilo eslavo, também em (que) delta desaguarão todas aquelas carnes de perdição. Ou devo subir? Devo explorar o restante do território, sair do leito do rio e penetrar nos seus vales e montanhas? Mais meio minuto até à minha estação, meio minuto de contemplação, de rebuçado, de gozo e pasmo.

Chego à minha estação, dez minutos até começar a dar ao stick. Não resisto à tentação, levanto-me bruscamente e pego-lhe no antebraço, rodo-a para ficarmos cara a cara e pergunto-lhe:

- Como te chamas?

Ela vira-se surpresa, olha-me, analisa-me, baixa as pálpebras num movimento quase impercetível e responde-me em sussuro. Ela diz-me o seu nome, o único nome que uma mulher com aquelas qualidades podia ter:

- Chamo-me… Varsóvia.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A Avó das Cantigas

UFO na Praça Na Rozdrozu Nos primeiros dias do verão passado fui convidado a visitar um bar novo em Varsóvia, uma fonte que tinha sido transformada em bar e que estava a ser a maior atração da cidade. O local de diversão sazonal era bastante agradável, as mesas e cadeiras estavam dispostas como esplanada em forma de anfiteatro instalada numa estrutura de madeira construída no centro da fonte e com uma cúpula de material plástico no meio onde funcionava o bar/cafetaria. A clientela era variada mas composta sobretudo por dois grupos bem definidos e afastados no espetro etário, jovens casais com filhos e cidadãos seniores, estes aparentemente oriundos das imediações porque chegavam a pé e em grupos numerosos, cumprimentavam os outros velhotes e sentavam-se juntos ao sol a tomar chá ou café com leite, música de circunstância que não convidava a grandes saltos, o ideal para a conversa numa bela tarde de sol. Nisto, um locutor anunciou o início da atuação do DJ convidado e eu pus-me a imaginar na seleção musical que o artista teria de ter preparado dado o cariz do público presente, tirando-me as dúvidas da sua competência logo na primeira música – um clássico da música ligeira polaca dos anos 70. Movido pela curiosidade espreitei para dentro da consola para  conhecer o DJ e perceber que equipamento usava e vi uma velhinha de quase 80 anos a operar um Toshiba portátil, a colocar disco de vinil nos pratos e a fazer pré-escuta das músicas de auscultadores na cabeça. Fiquei meio atordoado comAvó das Cantigas a trabalhar aquela visão e até comentei com os meus colegas daquela tarde: “Aquela avozinha é o DJ?” Eles não me souberam responder e passei a tarde a ouvir o gosto que a avó (se calhar já bisavó) demonstrava nas escolhas dos temas e na perícia com que os colocava, sem brancas * nem gafes, uma tarde bem passada a ouvir rumbas e cha-chas misturadas com êxitos disco e cantigas polacas que os frequentadores do espaço sabiam de cor e salteado e ao som das quais dançavam com entrega.

Passaram-se semanas e meses e eis que vejo um artigo sobre a dita senhora na imprensa portuguesa. A DJ Wika Szmyt, assim se chama a senhora, é uma aposentada que se dedica ao DJying “para procurar emoções fortes”, afirma que passa “horas em lojas de discos procurando melodias com bom ritmo” para “tentar agradar ao máximo possível de pessoas sendo que tal é quase impossível”. Numa entrevista a um órgão polaco de comunicação social, Wika Szmyt remata: “Há músicas que eu uso como ás de trunfo porque sei que quando as passo todos cantam e dançam” numa declaração ciente de que o trabalho que desempenha não é tão fácil como muitos podem acreditar. Efetivamente o DJ às vezes tem noites terríveis, ou porque custa a acertar com o tema-clique que desbloqueia o enchimento da pista, ou porque o público não pega em nada que se toque e a coisa custa a engrenar, ou porque há sempre uma ou duas pestes que o fegam constantemente a pedir este ou aquele tema, ou porque o equipamento é bera e não se consegue equalizar o som como deve ser… Ser DJ é como ser guarda-redes numa equipa de futebol, é o que carrega a maior responsabilidade pois a mais pequena falha é a morte do evento.

A D. Wika Szmyt dá cartas no bar varsoviano Bolek às quartas, sábados e domingos a partir das 14:30. Acho que depois de amanhã vou lá almoçar e, quem sabe, arrastar ao pé ao som desta avozinha.