Este recente artigo de Ricardo Taipa vem a propósito do que senti quando entrei na estação de metropolitano do meu bairro e constatei que, apesar de já terem passado mais de três meses do acidente que vitimou o ex-presidente Lech Kaczyński, a sua esposa e um número de individualidades do país, ainda há cartazes que testemunham a lembrança que os polacos têm da queda do avião através da afixação da data do acidente e da frase “Lembrar-nos-emos” em ponto grande num fundo que simula a bandeira polaca em tons de luto. Por outras palavras, quase 100 dias depois da morte de Kaczyński e já depois de outro presidente ter sido eleito, mantêm-se os sinais que recordam o sucedido.
Os polacos gostam de mártrires e de histórias com finais tristes, adoram transformar um sofredor num símbolo de resistência ou num emblema da pátria e temos provas concretas nestes dois exemplos. A cruz de madeira erguida pelos escoteiros dias depois do acidente e que ninguém ousa tocar e os cartazes do metro, velhos e ultrapassados pelos acoontecimentos políticos recentes, colocados pelo Instituto de Publicidade Exterior. Parecem-me excessivas ambas as formas de fazer lembrar às pessoas que o presidente Kaczyński morreu eu circunstâncias trágicas mas esta é uma oportunidade de ouro de fazer renascer o caráter sofrido do povo polaco e de criar novos símbolos patrióticos em torno duma tragédia, oportunidade essa alicercada numa palavra importante que se ergue nestas alturas e que se faz sentir como um trovão: A voz da Igreja católica. O que eles disserem é (quase) lei e no caso da cruz colocada no Largo de Pilsudski a Igreja é totalmente a favor da manutenção do memorial para que a população possa ter um local de romaria e de homenagem às vítimas de Smoleńsk, o que divide a opinião pública entre os que entendem ser tempo de o país fechar esse dossiê seguir caminho e aqueles que ainda sentem necessidade de lamber feridas e carpir fatalidades.
Num dos cartazes alguém escreveu “chcemy zapomnić” (queremos esquecer), penso que não é bem esquecer que a Polónia quer mas sacudir a poeira e caminhar em frente sem ficar agarrada ao passado nem ter de ficar eternamente a chorar mortos que, pelos resultados das últimas eleições presidenciais, poucas saudades deixaram. Paradoxos interessantes de analisar sob a lupa de um sociologista.
4 comentários:
Pessoalmente penso que a sociedade Polaca exagera demasiado com esta coisa de Smolensk. Se ele tivesse sido um homem amado pelo povo as coisas seriam diferentes. Como nem era uma pessoa amada e a Igreja tem uma voz demasiado forte na sociedade entao estas coisas sem sentido acontecem. Qualquer Presidente devera ser lembrado mas nunca a sombra de um grupo mas de toda a sociedade. Para muitos o defunto Presidente nao e nem nunca sera um heroi. Podera ser recordado sempre pelo homem que foi fora do "circo" politico. Mas dentro dele nunca deixara saudades.
A Polonia para progredir tem de deixar os mortos e cuidar dos vivos.
assino por baixo, ryan.
Muito mais não há a acrescentar. Não é só em Portugal que temos os velhos do Restelo. Recentemente, no Gazeta Wyborcza, surgiu um artigo sobre uma das partes sonegadas das gravações da caixa-negra do Tupolev presidencial. Dizia o piloto que "é melhor aterrar isto senão ainda me matam".
Portanto isto da martirologia de Kaczyński ainda vai dar que falar mesmo que alguns velhos do Restelo continuem a doirar a pílula sobre o politico que está no castelo de Wawel.
A mim nada disso me surpreende. Todo este acidente que vitimou aquelas cerca de 100 pessoas que constituiam parte da elite política da Polónia não irá ser esquecido nem nos próximos 100 anos.
Se passados 3 meses disto ter ocorrido não houvesse ainda o luto e a memória bem viva, isso é que não seria a Polónia. Acho que os mártires estão para a Polónia, como o sebastianismo está para Portugal. Está sempre na moda.
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