sexta-feira, 7 de maio de 2010

Publicidade enganosa

Levanto-me todos os dias com uma responsabilidade importante, a de ensinar e explicar a cultura e língua portuguesa a pessoas que têm diferentes motivações para quererem conhecer estes dois aspetos de Portugal. Tenho uma missão na qual essas pessoas confiam e pagam para tal, querem saber como é Portugal, como falamos, como nos relacionamos conosco próprios e com os de fora. O meu trabalho consiste resumidamente em explicar Portugal, traduzir Portugal, mostrar por A + B coisas tão diferentes como a diferença entre dizer “aqui” e “cá” e descodificar expressões como “ter dor de cotovelo”, ou “ficar em águas de bacalhau”. Portugal, o meu país, não é só verbos e substantivos, fado e Cristiano Ronaldo. Não chega saber dizer “bom dia” quando se chega a um aeroporto português, é preciso também saber interpretar o “estou já a sair de casa, estou aí em 10 minutos” que pode levar meia hora. Ser português é uma coisa tão extraordinária que as pessoas têm de aprender a sê-lo, tirarem cursos, estudar este idioma estranho em que uma simples letra como o “E” tem três ou quatro sons diferentes e o “X” pode ser qualquer coisa. O Português não é mediterrânico nem europeu central, não é maghrebino nem caucasiano, é difícil de definir ou descrever porque não encaixa nos estereotipos dos restantes europeus. Não é português quem quer, não é qualquer ser que tem arcaboiço para comer perceves ou inventar mil e um contos da carochinha para enganar as irlandesas no verão. Para isto é necessária uma condição genética que só existe no tal jardim à beira-mar plantado.

Explanar o “Ser Português” é das coisas que mais me deu (e dá) prazer na vida, partilhar o que é nosso, íntimo e pessoal, é uma experiência agradável por verificar que tanta gente remota está interessada nos nossos costumes e faço uso dos melhores adjetivos para caracterizar o nosso povo e a nossa terra. Uma terra de gente pacífica e sem problemas sociais, de gesto afável e hospitaleiro, que come bem e bebe melhor, de bons ares e tranquilo. Com um defeito aqui e ali porque não somos perfeitos, aqui está o retrato destes 10 milhões de cabeças que vivem virados para o mar gostosamente consumido por uma população eslava ávida de saber o que somos. Assim se cumprem os meus dias, assim se esclarece o que é Portugal, a cortina desce depois do aplauso, recolho aos camarins.

bancarrota Chego a casa e sintonizo-me na RTPNotícias onde me chegam novidades sobre os clientes do BPP que continuam sem o seu dinheiro e sem perspetivar reavê-lo. Um economista português defende a extinção do 13º mês e o pagamento parcelar do subsídio de Natal, outro sustenta que o TGV não é prioritário enquanto o Governo justifica a teimosia com a adjudicação consumada de contratos e a obrigação de cumprir o assinado mesmo que seja referente a uma obra de que 90% dos portugueses não irão usufruir. Um político foi confrontado com perguntas incómodas sobre eventuais trafulhices e interrompeu a entrevista intempestivamente não sem que antes gamasse os gravadores que memorizavam os seus depoimentos. Toda a gente sabe o que é Face Oculta, Apito Dourado, Freeport, Casa Pia mas ninguém sabe dizer o nome de quatro rios nascidos em Portugal. A malta agarra-se a mil euros por mês como o Camões se agarrou aos Lusíadas mas a GALP apresenta lucros de 65 milhões de euros só no primeiro trimestre deste ano duplicando o resultado do mesmo período em 2009. Uma deputada quer ir de cu tremido para Paris todas as semanas em primeira classe e conta que seja o Zé a pagar a despesa enquanto o desemprego não baixa dos dois dígitos. Vejo a gasolina subir porque o petróleo sobe mas não vejo a gasolina descer quando o petróleo desce, vejo os preços dessa mesma gasolina subirem no mesmo dia e à mesma hora mas os governantes insistem que não há cartelização dos combustíveis.

Desligo a televisão e vou à varanda fumar um cigarro preocupado. Não com a situação do meu país, por muita solidariedade que tenho com os meus patrícios, mas com receio de um dia ser processado por publicidade enganosa.

Está frio… mas não se está pior do que em Portugal.

6 comentários:

Anónimo disse...

Depois de vir da baixa, de ter estado a beber um vinho tinto alentejano, numa esplanada fantástica, de frente para a nossa doca, chegar a casa e ler isto,.. prometo q não te processo! ! ! Mesmo com todas as vergonhas que por aqui vão, ainda com o trago a vinho na boca, sou uma dos dez milhões com muito orgulho de ser Portuguesa:)

PS : Se alguém te processar, manda-o para cá, que nos mostramos-lhe como o q temos de muito bom, supera de longe o menos bom:) Sou uma optimista...

Silvia Dias

Anónimo disse...

http://www.cmjornal.xl.pt/Noticia.a
spx?channelid=00000021-0000-0000-
0000-000000000021&contentid=4E2AE
311-350B-421E-B3D5-CFEDF398DE65&h=1

Portugal tem de importar esperma de Espanha

PM Misha disse...

sílvia,
eu também tenho muito orgulho em ser português só que não me posso orgulhar do que vejo no meu país, faz o al capone corar de vergonha.

Geraldo Geraldes disse...

Descansa que não serás processado. Só com um povo de gente pacífica, de gesto afável e tranquilo é possível que estes roubos/crimes continuem.
Actualmente, não é uma rapública das bananas, mas uma república de bananas. Mas bananas que comem bem e bebem melhor, isso sempre.

Ricardo disse...

Este artigo encheu-me as medidas. Primeiro por que me identifico com o pensar e depois porque também dou por mim a meditar sobre a amada pátria lusitana.

Podias ter acrescentado nessa lista o escândalo do 'acidente' de Camarate. Quando vivia em Portugal tinha o mar a escassos 24 km e o Porto a 28 mas havia sempre que esticar a corda para poder ter gasolina para ir ver o mar e molhar os pés.

Fui-me embora de Portugal sem sacudir a areia das sandálias mas com uma convicção: viver em Portugal só com dinheiro que se veja para se poder usufruir daquilo que o país tem de bom. Viver no fio da navalha em Portugal é uma merda.

João Conde disse...

Na verdade tenho que concordar plenamente contigo. Quando vou à Polónia visitar a família da minha namorada acabo sempre por falar de Portugal, seja com aqueles que conheço ou com caras novas que aparecem. Quando li o que escreveste revi-me em bastantes coisas: às vezes sinto-me envergonhado em relação a Portugal, porque contar só um lado da história não é contar 'a' história... Pode-se falar do calor dos portugueses, do clima, das praias, comida, etc., mas e o resto? Não há países, ou formas de estar de um povo, perfeitos, mas lá que isto podia estar bem melhor podia. Abraço