Cada vez mais julgo que este espaço está tornado num blogue de reflexão, num olhar que um português deita sobre Portugal mais do que o diário de bordo da viagem dum algarvio na Polónia. Não me alegro que assim seja mas há coisas que se têm vindo a passar no meu país e com as quais não posso pactuar, quem não se sente não é filho de boa gente e eu não sou capaz de ficar de braços cruzados a assistir à anedota mundial que Portugal se está a tornar. Então vejamos.
O País está parado, melhor, a capital do país está quase parada devido aos condicionamentos de trânsito e circulação causados pela visita do papa a Portugal, vias cortadas aos automóveis e transportes públicos, desvios e interdições que certamente dificultaram a vida aos lisboetas e, por consequência, atrasaram-nos fazendo com que trabalhassem menos tempo, logo produzindo menos. Recordo que Portugal luta contra o défice, contra a despesa pública e contra um problema de sub-produção grave que resulta na inferior competitividade em comparação com os seus parceiros da UE.
Prepara-se pouco a pouco a subida dos impostos com o IVA a pular para 22%, mais um sacrifício pedido aos portugueses que vão ficar também sem uma fatia do 13º mês e muito provavelmente com comparticipações nos medicamentos reduzidas. Mas as grandes obras continuam e o emblemático troço Poceirão-Caia vai mesmo para a frente, uma linha de TGV que liga “lado nenhum” a “nenhum lado” e que será usado por zero mil, zerocentos e zerenta e zero portugueses. Ao mesmo tempo foram gastos umas boas pás de euros a confecionar banquetes e a restaurar velharias para que a comitiva do papa se possa regalar com as mordomias que o seu luxuoso spa eclesiástico do Vaticano lhe proporciona.
Um Estado constitucionalmente laico abre descaradamente as pernas ao líder duma instituição que tem vindo a ser unanimemente apontada como das mais hipócritas do planeta, uma instituição cega e surda que encobriu abusos sexuais a crianças em nome dos dogmas com os quais eles manietam os fiéis. Uma instituição que mata os seus seguidores seguindo um discurso que prefere a epidemia à profilaxia defendendo que o “uso do preservativo aumenta o problema da SIDA”. Uma instituição que apenas semeou discórdia, criou cisões que meio mundo paga agora com o sangue que já tinha sido vertido pelas vítimas da Inquisição e das conversões aos “infiéis”.
Um Estado governado por um partido que se diz socialista paga a estadia da corte do papa enquanto as empresas despedem trabalhadores diariamente, os subsídios de desemprego são cada vez mais reduzidos e a idade de reforma cada vez mais elástica. Banquetes e festins, pompa e aparato, o povo sem trabalho e um padre de férias pagas em Portugal, um padre que recusa peremptoriamente os métodos contracetivos mas assobia para o lado quando se fala de pedofilia. A minha avó ameaçava-me com “o velho do saco” quando eu me portava mal, acho que o velho vai ser substituído por um “olha que eu vou buscar um padre!” para meter medo aos meus descendentes.
Vou apagar a televisão e vou até à minha varanda fumar um cigarro. Vou olhar para os blocos de apartamentos que rodeiam o condomínio onde moro e tentar encontrar motivos para escrever sobre a Polónia, com as barracas que o Circo Portugal dá ultimamente tem sido muito difícil concentrar-me nesse tema.
2 comentários:
O teu blogue raramente tem artigos não comentados mas desta vez parece que ninguem se manifesta. Será realmente que quem cala consente?
não sou o dono da verdade absoluta, um ateu não reconhece esse conceito, mas creio que escrevi aqui um par ou dois de verdades.
temas incómodos sempre assustaram como sempre assusta quem ousa, a malta prefere levar no cu e ficar calado e eu não admito isso. ao menos eu digo que me dói.
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