Há um constante processo de adaptação para quem viveu toda a vida numa cidadezinha à beira-mar e se mudou para uma grande capital europeia, por exemplo o conceito de distância que agora é absolutamente diferente. Antigamente eu caminhava 15 minutos e já me queixava que o meu destino ficava muito longe e agora se tiver de andar os mesmos 15 minutos dobro apenas dois quarteirões, coisa pouca, vizinhanças. Ontem conduzi de Natolin a Bemowo, 32 minutos bem contados que na minha terra davam para atravessar 3 concelhos e que em Varsóvia não chegou para passar mais de 5 freguesias. Depois de contornar a Rotunda ONZ, o coração financeiro da cidade entrei em Wola.
Sair do bairro de Ursynów e entrar em Wola pode ser um choque para quem não está habituado aos contrastes de Varsóvia porque Ursynów é uma zona predominantemente residencial onde os blocos de apartamentos construídos a partir de 1989 constituem a paisagem até à zona sul da cidade, onde o betão dá lugar ao verde do Parque Natoliński e à Floresta de Kabaty. Ursynów tem 1/4 da sua população com menos de 18 anos de idade, é um área modernizada pelo metropolitano e pela importantes artérias Puławska e KEN por onde imensos varsovianos passam no seu dia-a-dia. Pouca gente trabalha aqui mas milhares aqui vieram morar devido ao preço baixo das casas e às modernas comodidades com que os apartamentos foram dotados. Um bairro que só em 20 anos conseguiu acomodar quase 150.000 almas nas suas casas.
Wola (vontade em polaco) é uma ferida por sarar no quotidiano de Varsóvia, os prédios degradados pelos invernos ou os que ainda exibem as cicatrizes da 2ª Guerra Mundial são testemunhos da energia daquele que era o coração industrial da Capital no séc. XIX. Foi também em Wola que se deram dos mais sangrentos conflitos da história de Varsóvia como os Levantamentos de 1794 * e 1831 bem como o Massacre de Wola. O infame Gueto de Varsóvia também era em Wola e ainda há porções do muro mantidas como monumentos, o portão principal da prisão de Pawiak ainda se mantém erguido para que se recordem as atrociades lá cometidas, os cafés são sombrios e estão instalados em blocos descascados pela erosão do tempo e pela fatura da guerra onde jovens de ar rebelde mas pacífico fumam e conversam sobre uma mesa de chás. Wola não é bonita mas tem uma alma que poucos bairros varsovianos têm, caminhar nas suas ruas é aprender a história de Varsóvia e ao observar aqueles edifícios feios sentimo-nos transportados para a realidade tenebrosa de “O Pianista”, que Władysław Szpilman escreveu e cujos passos repetimos quase que inadvertidamente, sem pensarmos, sem sequer imaginarmos o cenário que lá se encontrava há 65 anos atrás.É preciso ter estofo para morar em Wola, para encarar a sua sombriedade todos os dias, para compreender a sua perpétua tristeza e melancolia, para se solidarizar com o seu constante sofrimento, para aceitar a sua roupagem – sempre vestida de luto. Wola ainda enxuga lágrimas, não é toda a gente que consegue viver permanentemente num cemitério de memórias e curvo-me ante tão brava gente que assim honra a perseverança dos seus antecessores.
2 comentários:
Eu moro. (Bem, pelo menos até 1992 era Wola).
Achei piada à parte dos 15 minutos. Vindo de lisboa para Faro estou habituadissimo a fazer o dobro do comprimento desta cidade a pé para chegar ao meu destino, espantado fiquei eu quando para ir a pé da Penha até à baixa de Faro que são menos de 15 minutos já era muito para a maior parte, até de carro.
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