Uma hora antes do apito inicial estava um português sentado numa banca de comidas dentro das instalações do estádio a bater-se com um prato de plástico onde repousavam uma karkówka (febra de porco), um pãozinho, um pepino de conserva e dois borrifos de mostarda e ketchup, tudo adquirido pelo simpático preço de 10 paus. Depois de morfar entrei no Wojska Polskiego que está em obras de ampliação. Por tal razão apenas a tribuna dos lugares cativos – cerca de 6000 lugares - está disponível para o público e estava integralmente preenchida com adeptos dos “militares”. Entre eles, o tal português de cachecol negro “wojskowy” ao pescoço que tiritava com os 0º que fustigavam a capital polaca nesse princípio de noite.
A instalação sonora debitava sons incompatíveis com um jogo de futebol, principalmente um jogo com espectadores tão especiais com os “Legia Warszawa”. Talvez para acalmar os instintos violentos dos adeptos, o DJ tocava Roxy Music e Dire Straits a som médio, quase adormecendo o público. Surgiram os primeiros aplausos, tímidos, quando Mucha subiu ao relvado para iniciar o seu aquecimento. O guarda-redes eslovaco da Legia arrancou os primeiros aplausos das bancadas que subiram de tom 10 mins depois quando os jogadores de campo apareceram, mais aplausos e o primeiro ensaio de cânticos na noite. Eu desesperava por um cigarro para combater o frio mas decidi não comprar tabaco até ao fim do ano e ripei a rijeza orando para que o jogo fosse digno do meu sofrimento. Os jogadores recolheram ao balneário e finalmente o speaker do estádio mostrou serviço informando os espectadores dos resultados dos outros jogos da jornada, o Wisła já tinha ganho na sexta, o Lech fez 1-0 cedo e fechou a loja conservando a vantagem até ao final, a Legia tinha mesmo de ganhar para não comprometer as suas aspirações. Após a constituição das equipas o público levantou-se em tifo para saudar um hino que entretanto soou, um hino a Varsóvia que foi cantado por todas as almas que estavam no estádio e que cobriu a bancada do vermelho, branco, verde e preto dos cachecóis da Legia. Momento arrepiante, a paixão do futebol no seu esplendor. Junto à vedação havia polícias de choque mascarados de colete à prova de balas e capacetes com visores que me fizeram perguntar se estaria nalguma manifestação contra o G8 em vez dum jogo de futebol.
A Legia Warszawa vai ter um belo estádio logo que as obras se concluam, as bancadas novas já se assemelham com uma moderna estrutura de dois anéis, camarotes na zona intermédia e com dois topos verticais e incisivos que têm todas as condições para se tornarem um pesadelo para os guarda-redes das equipas adversárias,permitindo que o público esteja bem perto do relvado. Não sei se esse mesmo público desfrutará dos jogos com tanta intensidade como a que dedicaram aos insultos à ITI, a empresa proprietária do Clube que mantém más relações com os adeptos devido à errática política desportiva, principal responsável pelos pálidos resultados desportivos da Legia como consequência dum progressivo desinvestimento na equipa de futebol. No meio dos insultos, golo da Legia que passou quase despercebido ante o coro de palavrões que grassava da bancada contra a ITI e contra as forças da ordem que puseram na rua à força um adepto que constantemente as provocava. Os insultos foram baixando de tom à medida que o jogo avançava no tempo, o 2º golo de Mięcel marcado ainda na 1ª parte acabou por serenar os ânimos, até ao apito final registou-se uma tímida reação do Ruch e trocas de bola a meio-campo “wojskowy” para evitar suspresas.
Após os 90 minutos a instalação sonora não funcionou mais, nem o speaker anunciou o resultado final ou o jogo seguinte nem uma peça de música se fez ouvir. A multidão abandonou ordeiramente o estádio fumando e rindo, comentando uma ou outra incidência mas sem grandes manifestações de alegria. À passagem pelas tendas de venda de salsicha, uma menina da Królewskie passou um olhar vazio pela fila de homens que saíam do estádio. Uma voz imperativa levantou-se: “Tańcz, kobieto!” (Dança, mulher!) Os homens riram mas logo calaram o riso ao ver o incrível aparato policial que tinha sido montado no perímetro do Wojska Polskiego. Polícia de intervenção suficiente para uma cimeira americano-árabe, uma coisa colossal que eventualmente terá garantido o regresso de todas as pessoas a casa sem grandes problemas.
Aconselharam-me que rezasse à minha integridade física, chamaram-me louco por ir à bola em Varsóvia, disseram-me que ia levar com garrafas na cabeça, desenharam-me cenários de batalhas campais, escaramuças graves, guerrilha urbana. Nada disso aconteceu e o que presenciei foi tão somente uma demonstração de paião pelo futebol, de fervor clubístico exacerbado pelos últimos maus resultados do Clube, um amor por um emblema que se vê em todos os estádios de todas as ligas em todos os países do mundo. Varsóvia não é exceção e num jogo chave para as aspirações das duas equipas, um jogo considerado de alto risco, de vida ou de morte e outros dramáticos chavões, a única coisa que eu vi acontecer naquele estádio foi… futebol e eu hei-de lá voltar.
2 comentários:
PESSOAS MAIS FRIAS QUE NÓS! MAS CADA UM COM A SUA DIFERENÇA. E ELES SEMPRE FALAM MAL DAS MULHERES PORTUGUÊSAS!!!!! HA VAI SABER QUEM NA VERDADE ESTA COM A RAZÃO, NÉ???!!!!! BEM SÓ RESOLVI ESCREVER ISSO PRA DIZER QUE O SEU BLOG E MUITO LEGAL! UM ABRAÇO!!!
Té quenfim, deb! Moss, eu pra ver bola até a Lepe de perpoizete vou! Gajas, cerveja e bola... não necessariamente por esta ordem...
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