O clima é agreste, tanto faz um frio do camano que queima a pele do nariz como a canícula ensopa-nos a roupa em suor e obriga-nos a ter roupeiros em três divisões diferentes. A dieta é agreste, muitos alimentos fermentados que criam faíscas nos dentes e grande desordem de temperos que provocam tempestades intestinais ao que se juntam sopas que têm de rústicas o que têm de saborosas. As mulheres são agrestes, bravias e indomáveis amazonas que destroem impiedosamente um homem na cama e despacham canecas de cerveja com a delicadeza dum camionista apesar de parecerem frágeis bonecas de porcelana feitas à mão. Há zonas do país bem agrestes tanto na cidade como no campo, não há lugar mais agreste em Varsóvia que a zona do bairro de Praga Norte que compreende as ruas Stalowa, Strzelecka, Szwedzka e Środkowa (um quarteirão que faz o Soweto parecer uma estância de turismo) e por vezes conduzimos centenas de quilómetros país fora sem vermos sinais de presença humana. A língua, essa, é do mais agreste que há sendo uma das três mais difíceis de aprender e que frustra o mais dedicado estudante quando confrontado com os labirínticos casos da sua gramática. Varsóvia é agreste porque tem sempre a fasquia na posição mais alta e não tem compaixão pelos mais fracos, tanto premeia os lutadores que não se acomodam aos sucessos conseguidos como castiga os acanhados e não perdoa os laxistas. Portanto não admira que na Polónia exista um fruto chamado Agrest do qual se fazem tartes agrestes.
O sabor deste fruto da família da groselha, também denominado uva silvestre ou uva espinha, raramente é suficientemente doce para ser comido cru pelo que é mais utilizado para a confeção de xaropes e marmeladas mesmo que algumas variedades sejam consumidas depois de cozidas. A uva silvestre difere-se da groselha mais conhecida em Portugal pela cor esverdeada em vez de vermelha e por crescer isolada e não em cachos. Na Polónia como na Alemanha e na França, doces e geleias de uva silvestre são muito comuns. Eu próprio, nos primeiros tempos em Varsóvia, experimentei uma gelatina instantânea de agrest não tendo ficado muito impressionado com o sabor amargo da sobremesa.
A aula com a Ola estava marcada para as 19:00, hora e meia antes do treino, altura ideal para um lanchinho. No café onde combinámos o encontro, a montra de bolos não tinha nada por que eu ansiasse. Não tinha mil-folhas nem pastéis de nata, não tinha bolos de arroz nem lulas mas em compensação apresentava um leque interessante de açucarados regalos tais como merengues de baunilha, bolos de queijo e de chocolate, tarteletes de morango, queques de mirtilo, semifrios de amêndoa e uma intrigante proposta: tarte de uva silvestre. Enchi-me de brio e pedi uma fatia da dita guloseima para acompanhar o mocha. Comentei o caso com a Ola, perguntei-lhe se o agrest era mais uma daquelas bagas azedas como fel pelas quais os polacos se pelam ao ponto de fazerem compotas e licores. A resposta dela, apesar de correta ao nível da sintaxe e da semântica para meu regozijo, revelou-se inconclusiva pois não consegui identificar o fruto de que ela falava.
A coisa faz jus ao nome, é agreste, acerbo, amargo, azedo mais o raio que os parta que conseguem comer coisas que até ao diabo dá arrepios.