" A crise financeira global é tão grande que até as mulheres já começam a casar por amor" - Frase do "messenger" dum amigo meu (Baby).
A saga dum filho de Faro na Polónia (em Bielany, no norte de Varsóvia) - desde 2007
" A crise financeira global é tão grande que até as mulheres já começam a casar por amor" - Frase do "messenger" dum amigo meu (Baby).
Faz parte dos programas de todas as boas escolas de línguas, uma aula é dedicada â exibição de um filme protagonizado por gente nativa do país cujo idioma natal se estuda. O semestre está a chegar ao fim e procuramos temas alegres e interessantes para aligeirar a monotonia e o cansaço dos alunos, a aula do filme é sempre um momento ansiado de descompressão e que os estudantes aguardam com expectativa.
Pensei muito no filme que iria exibir, uma película que traduzísse o Portugal moderno ou que retratásse as epopeias do Império? Imagens da vida real ou uma estória de amores idílicos? Contrato ou O Pátio Das Cantigas?
A decisão veio fulminante como um raio. Mas claro, Floripes!
Munidos de papel e caneta para apontar dúvidas e anotar perguntas, uma dúzia de cabeças louras sentaram-se no anfiteatro da escola e sorveram as aventuras do "Julião", do "Quinzinho" e da moura encantada. Assustaram-se com a feiúra do Pega-Monstros, decididamente o tipo mais feio da Culatra, possivelmente do Algarve e só não é o mais feio do país porque existem o Emplastro do Porto e a Rita Blanco. Riram da falta de dentes dos pescadores e do aspecto castiço mas ternurento das velhinhas de Olhão, iguais às velhinhas de Faro, de Loulé ou de Tavira. Admiraram-se (e alguns repugnaram-se) com a amanha do peixe na praça. Eu revivi o meu sotaque e expressões típicas da minha gente (aquela frase "sabe mais que a justiça" sabe tanto a Algarve como o medronho da Serra de Espinhaço de Cão) e visitei Olhão de novo através da fotografia perspicaz do filme.
No dia seguinte, resumo do filme e aula de vocabuário. Primeira pergunta:
"O que quer dizer charingado?"
Segunda pergunta:
"Nuno... enzebrado?"
Terceira pergunta:
"Que verbo é este, estrofegar? É regular?"
Da próxima vez escolho o Branca De Neve, quero ver que perguntas é que eles vão fazer.
Ontem estava com o Giga a ver o telejornal quando lembrei-me: "Sabes, faz hoje anos que morreu o Fehér."
Recordei a minha angústia nessa noite de Inverno minhoto, eu que nem tenho por hábito assistir a jogos do SLB, em que me emocionei ao ver o pânico nos rostos dos colegas do húngaro quando se chegaram para auxiliá-lo. Gritei irritado com o Fehér porque ele nunca mais se levantava, incentivei-o, chamei por ele, disse-lhe para parar de gozar conosco e recuperar o sorriso trocista que tinha mostrado depois de lhe ter sido mostrado um cartão amarelo, chorei por temer o pior quando vi os paramédicos a fazerem-lhe massagem cardíaca.
Assisti depois a todos os detalhes seguintes na tentativa de ouvir algo como "Miklos Fehér recuperou a consciência e está estabilizado". Nunca tal foi dito e Fehér não mais acordou. Caí em lágrimas pela injustiça da situação, um jovem na flor da idade roubado à vida da forma mais violenta e com o cúmulo da trasmissão televisiva em directo para que o Mundo inteiro testemunhásse.
No meio da tragédia até fechei os olhos ao aproveitamento demagógico que o último clube de Fehér fez da sua desgraça, ele que nunca foi figura de proa no seu plantel mas foi elevado a mártir encarnado. Reflecti muito no carácter efémero da nossa existência e nos anos que gastamos a ralhar com a vida, no mal que fazemos uns aos outros de forma consciente e constante sem nos apercebermos que um belo dia vem a Foice e leva-nos para sempre. Pasmo ao constatar as atitudes de permanente conflito e maldade cobarde que o Homem inflige ao seu semelhante (e eu vivo-as, incrivelmente até no meu círculo mais íntimo) sem parar um momento para pensar na inutilidade de tais actos, sem perceber que no fim das contas só têm um buraco na terra garantido e que nada justifica a estupidez propositada que exibem no desfiar infeliz dos seus dias.
Procuro não cair no engodo de desejar que uns embarquem mais cedo que outros para que o Mundo seja um lugar melhor mas desde que Fehér e a minha avó morreram, curiosamente no mesmo ano, comecei a olhar para a vida de forma mais respeitosa. Oxalá muitos fizéssem o mesmo.
O vizinho de cima começa a pregar qualquer coisa à parede, o ruído vem ao longe e aproxima-se devagar, cada pancada mais forte e mais sonora que a última. O barulho torna-se incompatível com o sono e levanto-me enzebrado, olho para o relógio digital e nem dez da manhã são. Espreito a rua para saber que frio faz e alegro-me com a falta de montes de neve, é sinal de que a temperatura subiu e derreteu o gelo. Há uma lavagem de carros vazia e três pessoas numa paragem de autocarros do outro lado da rua molhada pela chuva pequena. Sábado de manhã em Bielany, no outro lado da cidade.
Estico as pernas e braços nos alongamentos matinais que repito diariamente afim de que não se perca totalmente a flexibilidade adquirida em 20 anos de bola, coço as costas e o cabelo inconformado com a inconveniência de ter madrugado sem necessidade. A fome rói-me por dentro mas, como por telepatia, ela levanta-se e apresta-se a preparar o pequeno-almoço. Estendo-me de novo na cama para gozar uns minutos de lãzeira morna e desfilo na minha imaginação possíveis menus de desjejum recordando as empadas de galinha da D. Paula ou os croissants mistos da Chelsea com o belo do Ucal gelado.
Saboreava mentalmente uma sandes mista em pão caseiro quando entram os pratos com o pequeno-almoço. Atiro-me à cão faminto para a mesa onde julgava estarem fartas fatias de pão com manteiga e fiambre... mas despisto-me numa inesperada tosta de pão escuro de centeio com tomate, pimento amarelo e ovo cozido com maionese. O leite com chocolate dos meus sonhos foi cruelmente substituido por uma malga de chá fervente e não tenho sombra de doce nesta amálgama de sabores continentais demasiado agressivos para a manhã.
O meu tio diz que "o estõmago não tem prateleiras" mas após este pequeno-almoço do arco-da-velha os meus intestinos também ficaram sem barreiras, vá lá que saem de pantufas. O que é que querem?! Ovo cozido de manhã não lembra nem ao Diabo!Um zapping furioso pelos canais da TV Cabo prova que o mundo está com os olhos postos na América, Obama toma posse como Presidente da República.
Ninguém pode ficar indiferente a este facto, afinal Barack Obama assume o lugar mais importante da cena política internacional. O mundo gira bastante em torno das decisões deste homem e cada deliberação que é tomada na Casa Branca afecta irreversívelmente os quatro cantos da Terra.Todavia, os polacos preferem esperar para ver e não alinham na febre de optimismo que está a transformar o novel presidente americano no portador da solução última para os problemas do Planeta.É ponto assente que Bush foi um mau presidente, trouxe mais discórdia do que paz e mais conflito do que harmonia. A Polónia, contudo, virou por completo à direita e abriu descaradamente as pernas à sua Administração numa posição de confronto diplomático com a Rússia mas também na tentativa de angariar simpatias no seio da UE e da NATO. As recentes colocações ao lado da Geórgia aquando do conflito do Cáucaso e da Ucrânia na questão do gás fez com que Moscovo levantásse a voz e verberasse os antigos satélites da União Soviética. Varsóvia ignora os puxões de orelhas (e os alegados mísseis balísticos apontados desde Kalinegrado) e responde atrevida dizendo que "já não vos pertencemos". O amigo Bush garantia, supostamente, as costas quentes. Agora o senhor George W. retirou-se para o seu cantinho esquecido no Texas de onde nunca devia ter saído, o seu legado será um esquecimento global condizente com o obscuro período da História em que se traduziu o seu consulado.
E como fica a Polónia no meio disto? Tem a palavra o Grande Mestre, o Tempo. Entretanto repito com gosto a paráfrase do Presidente Chávez: Adiós, Señor Bush!
Nota da Redacção: Este Natal bati uma pelada com o Pedro Estrela, Portela, Floris e, entre outros, o Jorge Costa. Garanto-lhes que não deu nem uma frutinha pelos velhos tempos apesar das Melgas que o tentaram ultrapassar em velocidade. Fosse há 10 quilos atrás...
No caminho para Wilanów, entre umas casas escuras e antigas, destapa-se a paisagem. O cimento cede passagem ao olhar e revela o que está por trás dos severos blocos habitacionais. Há um regato semi-gelado que corre ao largo da estrada, árvores nuas alheias ao frio, velhas avós cobertas de casacões a fumar nas bermas brancas enquanto aguardam o transporte, gruas afadigadas pela modernização da cidade. No autocarro, abrem-se as portas a cada paragem para entrarem passageiros mai-lo sopro glacial que arrefece as pernas e endurece o bafo.
Vejo patos, dezenas de patos em plena cidade, dormindo em cima de tufos de neve, absolutamente cagando para o tuga que passa e pergunta a si próprio...Com tantas mudanças verificadas na minha vida desde que arreei as malas em Varsóvia, não fazia sentido que o blogue se mantivésse com a mesma cara. Efectuei uma mudança de visual na tentativa de transmitir uma imagem mais actualizada e condizente com a própria característica de Varsóvia: Dinâmica, charmosa, moderna e sedutora.
Este blogue procura o mesmo dinamismo e charme que Varsóvia emana, assim sejam esses objectivos conseguidos com as sugestões e participações de todos os que o visitam. Espero que o "lifting" seja do vosso agrado q;)
"O clima de um país não tem preço" - Esta frase é de um grande amigo queixando-se da invernia arrefecida que viveu durante alguns anos nos arredores de Madrid. Sendo farense como eu, o Daniel gania de frio sempre que o calendário passava de Novembro e recordava os Invernos amenos à beira-ria. De facto, apesar da chuva e da humidade que se mete pelos ossos, as temperaturas nunca baixam dos 5ºC enquanto o sol brilha. Não sei se alguma vez soube dar valor a essa particularidade do clima algarvio mas agora sei bem o que vale.
Especialmente depois de S. Pedro me ter proporcionado esta fabulosa despedida num dia de Janeiro:
E principalmente após a recepção que o mesmo dignatário me preparou na minha primeira manhã do ano em Varsóvia. -21ºC às 7:00, até estala a pele do couro cabeludo!
Os lábios estão constantemente a precisar de serem untados com batom para aliviar o cieiro, as narinas escaldam com o atrito dos lenços de papel a secarem o incessante pingo que já vem misturado com o sangue que sai dos capilares entretanto rebentados devido à cristalização sofrida pelo efeito do frio, as orelhas ficam anestesiadas, os olhos marejam alérgicos ao vento, a respiração é difícil pois a baixa temperatura do ar torna-a custosa, a pele das pernas repudia o tecido gelado das calças e tenta esconder-se em vão da ganga que a arrepia, as luvas não são suficientes para agasalhar as pontas trementes dos dedos amedrontados de frio.
A bonança chega ao entrar em casa e sentir o aquecimento central, a atmosfera acolhedora da casa quentinha, as cómodas pantufas que encaminham os pés gélidos para o sofá aberto, amigo, que recolhe e conforta o corpo algarvio mártir do clima continental. Basta um duche retemperador para vestir de novo o fato morno do sossego e olhar com gozo a neve que teima em abafar o chão da rua. Tem pacência, Varsóvia. Amanhã vais levar comigo outra vez de manhã à noite.