terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Adeus Tarchomin - Virar de página

Em 2013 iniciei um ciclo importante na minha estadia na Polónia com a minha mudança para o bairro periférico de Tarchomin, situado a norte da margem leste do Vístula. Após quatro anos de muito feliz permanência em Tarchomin chegou a hora de encaixotar os pertences na sequência do juntar de trapinhos com a Lena e aqui estou eu a caminho de Bielany, noroeste de Varsóvia, para uma nova etapa de vida.

mudançaAo deixar aquela que foi a minha casa mais duradoura na Polónia não consigo evitar um profundo sentimento de saudade, aquele tão português misto de perda, afeto e nostalgia. Foi no nº 6 da rua Kamińskiego que dei um salto gigante na minha adaptação a este país. Habituado que estava a permanecer debaixo da asa protetora das mulheres com quem vivi, nunca tive a curiosidade (por não ter tido necessidade) de me envolver nas situações práticas do dia a dia como negociar um contrato de arrendamento de casa ou agendar a troca de pneus aquando da mudança de estação. Sofri as conhecidas “dores de crescimento” enquanto passava pelo inevitável período de transição entre o gorado plano inicial de vida com a (entretanto tornada ex-)namorada e o mundo de interrogações que enfrentava no novo pouso. Em Tarchomin, tirando a questão do registo de permanência para o qual tive a ajuda preciosa da Matylda, tive de me virar sozinho e sem rede. Se Natolin foi como a minha universidade em Varsóvia, Tarchomin foi o meu primeiro emprego.

Gosto muito desta minha já praticamente ex-casa. É um T2 com mais de 80 m2 , uma casa de banho maior do que muitos apartamentos do centro do Varsóvia, varanda devidamente orientada para ter a antena satélite instalada e se poder assistir aos jogos do Sporting e até – para indescritível alegria minha – do Farense. Fiz dele um refúgio perfeito tanto para a preparação de aulas e atuações, a tranquilidade dum bairro longínquo permitia melhor concentração no trabalho, como para a libidinagem própria dum rapaz solteiro. Tinha quarto para os hóspedes de Faro, acolhi a minha mãe por algumas semanas, estava contentíssimo. Cheguei uma ocasião a pensar que tinha efetivamente conseguido alcançar o tipo de vida que queria e que nada me faria mudar de rumo.

Mas como diria um dos poucos heróis portugueses contemporâneos (1) a vida tinha planos próprios e tratou de alterar os planos que eu lhe tinha reservado. No menos que esperava eis que surge uma mulher. É uma coisa engraçada, que sempre que os homens pensam que as coisas estão encarriladas surge uma mulher para baralhar as cartas e as dar de novo. Como se na régie desta série de televisão que é a vida o realizador se lembrasse de introduzir um elemento novo, um personagem convidado para fazer subir as audiências do programa. Não percebo se é por sadismo de quem mexe os cordelinhos, se para manter o equilíbrio universal uma vez que estava a divertir-me tanto (teria eu esgotado o plafond de hedonismo?) mas no melhor que eu estava a curtir a minha existência surgiu uma mulher. Não qualquer mulher, porque com certeza não seria uma mulher qualquer que seria capaz de pôr este vosso escriba a ponderar nova mudança de estilo de vida e partilhar teto, mas uma mulher excecional.

Assim, por força das vicissitudes do amor, abandono aquele que foi o meu covil durante quatro intensos anos. Anos de sofrimento, anos de gozo, fundamentalmente anos de crescimento e maturação. Graças a Tarchomin estou agora mais apto e confiante, sinto-me mais capaz de triunfar em Varsóvia e o facto de me mudar para a casa da Lena é uma prova disso mesmo – de que é hora de abraçar outros desafios.

Que os ventos continuem a soprar na mesma direção, assim seguirei em frente.

(1) – Prof. Agostinho da Silva