sábado, 31 de janeiro de 2015

De novo juntos

Voltamos a ver-nos. A princípio fizeste de conta que não me tinhas visto, mantiveste-te no teu lugar dando nítido sinal de que tinha de ser eu a tomar a iniciativa. Eu não fui ter contigo, orgulhoso, também magoado pela tua indiferença. Pensava que tinhas tantas saudades minhas como eu tuas mas tu nem mostraste um pingo de alegria, ficaste na mesma, fria, como de pedra. Entristeceste-me justamente quando eu fiquei tanto feliz por te ver de novo, depois de tantas semanas, tantos meses sem uma palavra, sem um contacto, sem u2015 começouma ternura. Tentei perceber como podias comportar-te assim como se não tivesses sentido a minha falta, como se eu nunca tivesse feito parte da tua vida, como se eu não significasse nada. Ignoraste-me, logo a mim que tanto te quero, que te trato bem, que te estimo.

Engoli o sapo e fui falar contigo: 'Olá, pequena!', disse. Tu não reagiste. Não te afastaste, é verdade, mas também não te mexeste. Pensei: 'Cá calharás...' e voltei-te as costas. Fui ter com os meus colegas falar de outras mulheres, carros e telemóveis mas às vezes olhava para ti e tu ali quieta, impenetrável, altiva como um monumento num pedestal, junto às tuas pares sem me passar cartão. Que difícil foi para mim! Onde terias andado? Com quem terias estado? Ter-te-iam feito mais feliz do que eu fiz? Ter-me-ias esquecido para sempre?

Decidi correr. Fui correr porque estava nervoso, não sabia o que fazer nem dizer e fugi de ti. Dei voltas e mais voltas debaixo desta chuva parva de janeiro, quanto mais corria mais me lembrava da tua reação e mais vontade me dava de correr, correr até te esquecer, correr sem parar porque se parasse pensava e se pensasse chorava. Ah, sandeu! E acaso se esquece um grande amor? Acaso se olvida o sentimento maior? Acaso se apaga a marca eterna da nossa relação, da nossa cumplicidade, da nossa adoração mútua? Eu contigo era tudo, éramos um só, completávamo-nos, definíamos o conceito de harmonia, de graciosidade, de garbo. Quando não estavas comigo chamavas-me, penavas a minha ausência, sofrias atrocidades dos outros homens que nunca souberam dar-te o devido apreço, logo corrias para mim ou eu corria para ti e tudo ficava de novo como tem de ser. O mundo parava para nos contemplar, para nos admirar, para nos venerar. E um dia partiste, abandonaste-me e eu fiquei atordoado, sem ação. Nunca concebi o mundo sem ti, como iria começar a viver sem ti? Tive medo.

Quando parei de correr vi que estavas junto a mim. Não sei se fui eu que parei ao pé de ti ou se foste tu que vieste para perto de mim mas isso não importa. Repeti: 'Olá, pequena!' e tu como que rolaste para mim. Peguei em ti, acariciei-te, segredei-te 'Tive saudades' e tu rolaste para o meu peito. Abracei-te, beijei-te, atirei-te ao ar e por fim chutei-te para que o primeiro treino de conjunto depois da pausa de inverno começasse. Enquanto te mudavam de flanco, te pontapeavam à bruta ou te tocavam com delicadeza vi que tu só olhavas para mim, e quando por fim, cumprindo o teu destino, regressaste aos meus pés e anichaste-te na minha chuteira, de novo olhaste para mim e murmuraste encantada:

'Amo-te'

E eu a ti, bola.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Sinistra Segunda

Quando a segunda-feira se apresenta desta maneira, tu mal podes esperar para ver como corre o resto da semana.

Segunda-feira

Imagina se o Sporting não tivesse ganho ontem…

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O que é que a gente tá aqui fazendo? - 16

Diálogo numa aula de Língua Portuguesa entre o Professor e uma aluna:

- Kasia, conheces a estória do Capuchinho Vermelho?

- Acho que sim.

- Então conta lá.

- Era uma rapariga que trabalhava na cafetaria dum aeroporto. Ela servia cappuccinos aos clientes que tinham pouco tempo para apanhar o avião, depois os passageiros embarcavam, o avião caía e os passageiros que tinham bebido o cappuccino morriam.

Há dias em que eu me pergunto se efetivamente estou a desempenhar um bom trabalho…

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Plucha

Plucha no centro de Varsóvia A mãe duma ex-namorada dizia, na sua simples mas imensa sabedoria: "Quem não tem nada para fazer faz colheres de pau". Sem nada para fazer mas com vontade de escrever, pensei em compor alguma coisa sobre o novo ano mas cedo me arrependi porque o leitor não é parvo e percebe que, se eu fiquei tão satisfeito por 2014 ter finalmente acabado, estou ansioso para entrar de cabeça em 2015 e esquecer tão depressa quanto possível todas as amarguras do pretérito ano. Assim decidi dar uma volta no meu bairro, apanhar o ar fresco que vem do bosque contíguo para me dar inspiração e tão distraído andava que meti a pata numa poça de neve mole e imunda, fiquei com a sapatilha toda suja e isso encurtou-me o passeio. Porém a tática resultou, ganhei ideias, sentei-me à escrivaninha e aqui está o produto.

Diz-se que os inuítes, comummente chamados esquimós, têm uma série de palavras para definir
neve. É uma lenda urbana criada a partir da profunda integração do povo Esquimó nessa matéria e da existência de duas palavras que soam muito diferentes: 'qanniq-' ('qanik-' em alguns dialetos), usado como verbo “nevar” e 'aput', que é o substantivo “neve”. No entanto não é verdade que haja muitas palavras para classificar diferentes tipos de neve, os esquimós não fazem tanta distinção assim entre neve fofa, neve dura, neve com vento, etc. Neve é neve e ponto. Já os portugueses classificam a chuva com múltiplas designações: aguaceiro, chuvisco, tromba (ou pé) de água, cacimba, chuvinha molha-parvos e por aí fora. Cada povo tem o seu glossário meteorológico e mesmo dentro do mesmo país há maneiras típicas de se falar da mesma coisa, se um filho de Faro for a Braga e queixar-se que 'está barbeiro' provavelmente receberá um encolher de ombros minhoto como resposta. É um pouco como na Polónia falarem de amêijoas, inútil eu dizer que existe amêijoa boa, amêijoa cão, macha, branca, quanto mais apontar as diferenças. Para eles é tudo igual ao litro, enfim.

Os polacos também têm as suas 'amêijoas', não essas nas quais o leitor mais perverso terá pensado, mas os cogumelos que para o português têm apenas uma designação mas que para o nascido na terra da águia branca pode ser tudo e mais alguma coisa: borowik, maślak, muchomor, pieczarka, górka, opienika, koźlarz, podgrzybek, czubajka só para mencionar alguns dos nomes com que os polacos batizaram os fungos a que os portugueses chamam simplesmente... cogumelos. O mesmo se aplica a algumas condições climatéricas, há palavras polacas que especificam o calor que se faz a partir duma determinada temperatura, o frio que se sente abaixo de um certo ponto, até para aqueles dias aborrecidos de céu cinzento, chove-não-molha que forma charcos daquela neve suja em fusão que nos enerva por sujar os tapetes do carro e a entrada de casa – Plucha.Mais plucha no centro de Varsóvia
 
Os primeiros dias do ano têm sido passado debaixo de plucha, entre a vontade férrea de limpar o céu de quaisquer nuvens por forma a ter um excelso e, permitam-me a presunção, merecido 2015 e os vestígios do negro 2014 que ainda se manifesta através de espasmos de arrelias que de vez em quando me batem à porta, o estrebuchar dum defunto anunciado e sepultado mas ainda pouco convencido da sua condição de morto. O meu mano John ensinou-me um truque para ultrapassar esta chatice: tomando por aceite que um ano tem dias bons e maus em equidade, risca-se um dia mau do calendário cada vez que o morto se agita e assim é menos um dia ruim na contabilidade, sobrando mais dias bons para o que resta da agenda. E pronto, lá acabei por falar no raio do ano passado que insiste em me assombrar. Está difícil, o sacana, de se me despegar da pele! Mas já esteve mais longe, a plucha também já não parece tão feia assim e eu também quero começar a escrever sobre outros assuntos que bater sempre na mesma tecla não tem assunto nenhum.