domingo, 30 de novembro de 2014

Retalhos da vida de um Algarvio - Parte 22

Iluminaçao de Natal Sempre achei piada às pessoas que se queixam da vida que têm, que se lamentam que a vida é uma trampa e engendram teorias de conspiração estelar ou de ações coordenadas por parte de entidades misteriosas que têm por único propósito estragar-lhes a sua/nossa existência. Um exagero que às vezes até chega a aborrecer. Já há muito tempo que aprendi que a vida é aquilo que nós fazemos com ela e que tudo que nos ocorre foi porque de alguma maneira contribuímos para que tal sucedesse, que tudo acontece por uma razão e que somos nós que fazemos acontecer. Outra coisa que também aprendi, afinal já são mais de quarenta anos a virar frangos, é que há sempre alguém com problemas mais sérios que nós independentemente da gravidade que as nossas maleitas possam apresentar. Já passei por graves crises devido ao caráter liberal da minha profissão e consegui sempre dar a volta por cima devido a uma dose de perseverança, de dois saudáveis bracinhos e duas rijas perninhas que nunca fraquejaram na altura de pegar no batente. Tão rijas estão que até dá para distribuir ripada (e alguma qualidade) em campos de futebol da Mazóvia. Por isso encaro todos os fenómenos que surgem na minha vida como consequência de decisões tomadas, mesmo que por vezes os considere inoportunos. Esta reflexão a propósito do fim-de-semana que ora finda.

Sexta-feira fui convidado para uma festa de portugueses, uma daquelas festas já outrora descritas neste espaço e que marcam a vivência dum tuga radicado em Varsóvia. Os ingredientes eram os mesmos de sempre pois numa fórmula de sucesso não se mexe: Bebida com fartura, um sortido invejável de gajas boas, convidados bem-dispostos, música de qualidade, tudo o que faz falta para a borga durar até às 3 da matina. Entre penáltis de vodca, jolas e balões de hélio aspirado, aconteceu de tudo ao vosso escriba, até mesmo uma interessantíssima discussão com uma rapariga sérvia sobre o quão hot são os lumbersexuais, tentando ela convencer-me que a moda agora é machos peludos e cheirando a suor, chegando ao ponto de reprovar a minha escassez capilar torácica depois de ter enfiado a mão pela minha t-shirt acima. Uma pouca-vergonha. Poupando pormenores, importa apenas o epílogo da noite que consistiu numa ‘saída à inglês’ com uma das convidadas.

Sábado voltei a sentir aquela conhecida sensação de acordar em cama alheia com o dia adulto e a boca a saber a papel de música, roupa espalhada pela sala como se tivesse rebentado uma bomba na divisão, unhas de pé envernizadas a aparecer por baixo do edredão, copos deixados a meio em cima da mesa de cabeceira, a pele a tresandar a vodca e fumo. Mal dormido e depois de mais um tiro no porta-aviões consegui voltar a casa com a cabeça a 10 e o mundo a 100, o duche e o pequeno-almoço dos duros puseram-me quase fino para as quatro horas de aulas que tinha para despachar à tarde antes de atacar a festa da noite, tocar num bar numa festa subordinada ao tema Andrzejki. No fim do evento estava combinado mais um folguedo com os colegas de equipa do Inter Warszawa mas o motor estava a precisar de repouso e tomei o rumo de casa onde encontrei a minha cama mais sexy do que nunca, como se fosse uma banheira cheia de mousse de chocolate. Apaguei. Dormi 11 horas de estalo.

Domingo seria um dia de penumbra em condições usuais, pedir pizas e ver bola italiana, mas os meus capangas de sempre (Semper fidelis!) resgataram-me para uma lauta patuscada de hambúrgueres, colesterol a montes para recuperar a condição física. Pessoal que nunca me falha e queFuck sushi! sempre lança a bóia na melhor altura. Depois do restauro ainda mais um passeio em companhia feminina, pouca vontade em caminhar na rua com seis graus abaixo de zero e por isso entrámos num bar onde ela comeu uma salada de cuscus e eu churupitei um sumo de maçã. De repente a pergunta dela: ‘O que é o amor?’ À brutalidade da questão respondi com uma bem trabalhada e filosófica dissertação que até a mim surpreendeu pela fluidez e saímos do restaurante, resistindo às tentativas dela de me levar ao centro comercial para a aconselhar na compra dum gorro para o frio mesmo que ela me chamasse a atenção para a beleza das iluminações de natal do centro de Varsóvia.

Finalmente dei comigo em casa e de pijama. Sentei-me no sofá com o comando da tv numa mão e um copo de gelo mergulhado em Amarguinha no outro, a refletir nas minhas últimas noites de fim de semana em que o prato forte foi borga da forte e feia e a pensar que se calhar já não tenho vida para isto.

Mas se calhar é isto que a vida tem para mim.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Quando um arrumador polaco tem mais competências linguísticas que muitos empresários algarvios

Carrefour Express de Tarchomin, tardinha de cacimba e alguma rijeza que o outono decidiu entrar ao serviço. O único algarvio das redondezas sai do supermercado com o carrinho das compras cheio de fruta e legumes (sopinhas, agora que o tempo vai arrefecendo) mais um garrafão de cinco litros de água. Chega-se ao carro e pelo canto do olho bispa um papítrio montado em duas canadianas a aproximar-se, com certeza para cravar uns trocos. Diz o agarrado, em polaco:

- Boa tarde, senhor. Posso fazer-lhe uma pergunta?

Responde o algarvio impaciente e aborrecido, em português:

- Desculpa, amigo. Não faço polaco, não sei o que estás a dizer.

E toca de meter as compras na bagageira do carro. O arrumador de carrinhos de compras hesita um pouco e torna, conciso e preciso:

- Hmmm... Excuse me, sir. Would you be so kind as to let me park your shopping car?

Levantei a cabeça, olhei para ele e só consegui dizer-lhe:

- Um... Sure...

Uma das escassíssimas vezes em que alguém me deixou sem resposta foi protagonizada por um polaco toxicodependente. Toma lá que já almoçaste!