terça-feira, 28 de agosto de 2012

Cada cavadela, uma bomba

… e quando o dia de trabalho corria morno e manso, os sapadores!

- Pedimos desculpa mas temos de evacuar o edifício. Foi descoberta uma bomba do tempo da II Guerra Mundial que ainda está ativa e vamos desativá-la, por essa razão os senhores e as senhoras têm de sair.

Lembrou-me outro caso aqui já reportado. É o terceiro engenho do tipo detetado nos últimos meses na sequência das obras da segunda linha do metropolitano de Varsóvia. Em fevereiro no cruzamento das ruas Marszałkowska e Świętokrzyska (esta última onde eu trabalho) foi encontrada uma bomba de tonelada e meia ainda por explodir, facto que obrigou à evacuação de 400 pessoas. Ainda neste mês e ainda na rua Marszałkowska, uma das mais importantes artérias de Varsóvia ora encerrada devido às obras do metro, os trabalhadores depararam-se com outro dispositivo do tipo pesando 300kg o que fez com que 20 pessoas tivessem de abandonar os seus lares e empregos.

Ele há coisas nesta terra que parecem tiradas dum filme…

Trabalhos de recuperação da bomba

update: Entretanto a bomba já foi levada para instalações das Forças Armadas polacas onde foi submetida a uma explosão controlada. Segundo apurei, o engenho teria perto de duas toneladas de peso e meio metro de diâmetro. Devido ao facto de no local onde foi encontrado funcionarem importantes agências e escritórios (o Banco da Polónia, a televisão estatal TVP, hotéis, restaurantes e outros serviços) foram evacuadas cerca de 3000 pessoas. Espera-se que a vida de Varsóvia volte hoje ao habitual, ao sossego, se alguma vez isso for possível.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Onde tu andas, Miguel…

… então eu fui ao supermercado (onde é que eu já ouvi isto?), desta vez para comprar uma máquina de cortar cabelo entre outras coisas. Chego a casa, abro a caixa para pôr a máquina a carregar e cai-me um papel no chão.

Certificado de não sei o quê

Porra, que esta cena assusta…

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Saudáveis indícios que o serviço ao cliente na Polónia está a mudar, ou O poder irresistível dum sorriso algarvio, ou Há coisas levadas da breca!

As compras de meio da semana. Bananas, pão, charcutarias, sumos, detergente para a roupa… e uma garrafa de vodca de menta, o Miguel Gião sabe do que eu estou a falar ;) Na caixa, puxo do cartão de cliente para acumular mais pontos e mostro as senhas dos produtos em promoção que comprei para ganhar ainda mais pontos, porque nestas coisas eu sou muito picuinhas e à pala disso já enfeirei um aspirador último modelo por €15.00. Diz-me a senhora:

- Não posso aceitar as suas senhas.

Eu estranhei e perguntei:

- Porquê?

- Porque o senhor comprou vodca. Quando se compra vodca não se pode beneficiar das senhas de pontos. Vodca, tabaco… esses produtos.

Eu ia-me desqueixando, já há muito tempo que não ouvia uma polonada destas. Voltei-me para a senhora com o sorriso mais simpático possível e sussurei-lhe como se lhe propusesse uma matrafisca:

- Então e se eu não comprar a vodca agora e comprar logo a seguir, já posso ficar com os pontos?

A senhora pega nas senhas e murmura um:

- Ó senhor…

Eu vejo-a a ceder e enterro a bandarilha ainda mais fundo, mais sorridente, mais simpático ainda, o teclado todo arreganhado.

- É que, percebe? Não me parece muito esperto que eu não possa ficar com os pontos se comprar uma garrafa de vodca. Se é assim então eu pago agora as minhas compras e entro de novo para comprar a garrafa, não acha que é estranho?

Ela começou a passar as senhas dos pontos no leitor de códigos de barras enquanto rezava qualquer coisa que não percebi. Por fim, voltou-se para mim e decidiu:

- Pronto, eu contei-lhe os pontos. Agora esconda essa garrafa no seu saco.

Aceitei, claro, ficando contente por mais uma vez o belo sorriso algarvio desemperrar impasses mas ao mesmo tempo intrigado por ter de sair do supermercado com uma garrafa de vodca escondida entre as bananas e os limões como se fosse gamada. Ainda por cima estando paga.

Enfim. A Polónia.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Rescaldo dumas miniférias agradáveis mas tristonhas

Faro, vista aérea Portugal está cada vez mais diferente daquilo que era, quase que digo que está cada vez menos português. O produto que melhor se vendia, a simpatia e hospitalidade portuguesa, está inquinada pela crise e pelos criseiros, os fazedores da crise. Os portugueses estão menos alegres, menos abertos, menos expansivos, vejo-os carregando fardos de apreensão e preocupação, o pessoal que antigamente se juntava para jantar hoje junta-se só para petiscar, não fazem dois fins de semana de borga seguidos, reina a apatia salpicada por uns pontuais abraços de satisfação por ver o amigo emigrante, um par de brindes à saúde do presente e à memória dos que já partiram mas tudo coisas com moderação e em doses previamente medidas.

Entre as novidades sabidas e contadas ressalvo os divórcios e separações, casos chatos entre pessoas que se deram tão bem ao ponto de fazerem meninos e que depois deixaram fenecer o encanto. Não faço críticas até porque não tenho experiência na matéria mas parece-me estranho que se tente aperfeiçoar uma relação com um filho, decisão irreversível para o bem e para o mal, e que depois este sirva de arma de arremesso sem ter culpa nenhuma das palermices que os adultos fizeram ou ainda fazem. Um filho é uma coisa de responsabilidade, não é um telemóvel ou um par de calças que se enfeiramos quando vamos de compras terapêuticas e que se pode descartar quando já não gostamos. Eu não tenho filhos porque nunca me senti preparado e porque não quis a fuga para a frente, “vamos fazer um menino porque isso nos vai aproximar”. É o mesmo que o João Pinto do FC Porto dizia nas suas indiscritíveis diarreias verbais “estar à beira do precipício e dar um passo em frente”. Ou isso ou reflexo da falta de paciência das pessoas em resultado da falta de motivação, da falta de perspetivas, da falta de futuro que se sente em Portugal. Uma pena, uma dor na alma ver amigos meus a atirarem com o barro à parede porque não se sentem com capacidade para aguentar o que escolheram.

E outra situação que me deixou deveras preocupado – assaz preocupado, diria o Tojó – é a profusão de casas de penhor e de compra de ouro que há em Faro. É impressionante o número destes estabelecimentos que abriram na capital algarvia no espaço de um ano, fenómeno que talvez passe ao lado dos farenses mas que salta à vista daquele que conhece a sua terra mesmo que a visite três ou quatro vezes por ano. É um sinal de que as pessoas estão mesmo nas últimas e vêem-se na contingência de ter de vender o seu ouro, aquele que sempre foi o melhor investimento de sempre. Porque se há tantas casas destas é porque há procura e se há gente que procura penhorar os seus bens é porque já não têm meios de fazer frente às despesas. É importante perceber isto, as pessoas estão a trocar os seus bens por dinheiro, é de loucos! Qualquer dia vendem orgãos do seu próprio corpo ou trocam um filho por senhas de gasolina e supermercado. Onde é que isto vai parar?!

Varsóvia, a avenida KEN Fui a Faro este verão com a ideia de explicar à minha família um plano que tenho… quer dizer, tinha, para criar um negócio que me possibilitasse passar mais tempo em Faro ou dividir a minha vida entre Faro e Varsóvia. Pelo que vejo e pelo que me foi aconselhado, ou pegar no meu plano e trazê-lo para Varsóvia mesmo que eu passe metade do ano abaixo de 0ºC porque nem tão cedo Faro, o Algarve e Portugal se endireita enquanto os seus governantes continuarem a fazer as piratarias que têm feito, depenando os portugueses enquanto eles vivem à tripa forra. Assim não se admirem que os “Jerónimos Martins” da vida batam a asa, Portugal está bom é para masoquistas ou românticos, mas como eu não gosto de levar porrada nem posso pagar as contas com versos…

sábado, 11 de agosto de 2012

Um problema

Tenho um problema, um grande problema, para o qual não encontro solução e não hei-de encontrar. É um problema crónico, daqueles que vou ter e sofrer com ele até ao fim da vida. É um problema tipo psoríase, não mata, não contagia mas também não se cura, não vou ter outro remédio senão aturá-lo e gramar com as questões que ele me coloca quase todos os dias.

O problema é grande mas fácil de diagnosticar, os sinais são claros e os sintomas evidentes. Fico inquieto, o pensamento foge e distrai-se entre o lá e o cá. Nada está bem, ou então tudo está bem mas em outro lado ainda está melhor, a impertinência e a ansiedade crescem, anda tudo fora de sítio.

Ria Formosa O meu problema é a saudade, saudades de lá quando estou cá e saudades de cá. É uma situação lixada, começar a criar saudades no mesmo momento em que se matam outras, uma guerra sem quartel nem fim à vista porque o termo duma batalha implica o rebentar de novo conflito. Chegar a Faro é regressar ao princípio do mundo, às coisas da infância e da adolescência, à família e à pandilha do Liceu, da bola, da praia, dos computadores, do Largo da Caganita, do Sporting, da peitada. Um prazer tremendo ver esta maltinha, sentar-me à mesa com eles e desfazer caracoladas e canecas, saber das últimas (que infelizmente são cada vez mais negras) e partilhar umas gargalhadas, de ir ao S. Luís assistir ao regresso paulatino do meu Farense aos momentos maiores do futebol nacional, abancar na espanada do Zé Maria para uma imperial fresquinha depois de três horas de peitada já com os olhos a arder do suor como foi naImperial e tremoços quinta-feira com o Cartaxinho e o Penny (a maior remontada de sempre, de 8-14 para 16-14 e já sem força nas canetas!). Mas já sinto a comichão da falta do meu sofá, dos jantares na Nowy Świat, das noites doidas de vadiagem em clubes de shots de vodca por cima das mesas de mistura, das pernas torneadas e branquinhas como se fossem envoltas numa camada de leite em pó peneirado pela Criação, do corre-corre da semana de trabalho a planificar horários e aulas ou a preparar um novo set para apresentar ao manager de uma discoteca.

Não é fácil viver em permanente saudade, sentir a perda de uma coisa quando ganhamos outra. Foi a vida que escolhi, perder a praia para ganhar os braços da minha mulher. Mas enquanto Varsóvia vem e não vem eu vou ali à frente dar um mergulho, venho já.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Crónicas de Lviv - 7

Rzeszów Amarrotados da estopada diurna, satisfeitos por termos deixado aquele país de tantas aventuras mirabolantes, regressámos a outra realidade mais consentânea com os padrões a que os munines estão habituados, mais humana e mais agradável. A Polónia parece ter gente mais reservada e seca mas não tem o mesmo cinzentismo opaco que a Ucrânia que conhecemos e a sociedade é organizada de forma muito mais proativa que no seu vizinho de leste. Parecia que se sentia na pele o ar mais leve quando se saíu da Ucrânia, mais fluido, mais transparente. Não demorámos meia hora depois da fronteira para comemorarmos o retorno à civilização com um xixi e uma cigarrada, gestos de alívio e satisfação mesmo que faltassem mais de 5 horas até Cracóvia. Não importava, o importante era que o pior já tinha passado.

Tomámos então a estrada para Rzeszów para largar o tal amigo cuja namorada tinha uma camisola da Alemanha. Sendo que eles viajaram no carro do Daniel, não sei qual era o clima deles mas lembrei-me das palavras do Fava quando os apanhámos no aeroporto e cruzei os dedosRzeszów II para que a tivessem metido no porta-bagagens. O GPS apontava para uma estrada secundária não muito larga mas vazia àquelas horas (5:30 dum domingo), enveredámos pelo caminho em boa velocidade, uma curva em linha reta à esquerda e... um bloqueio. Duas filas de carros parados que se prolongava por vários metros bloqueavam ambas as faixas da estrada, impossível passar, um coisa estúpida e sem razão de ser. O Giga desconfiou logo do trajeto, “o GPS está avariado, devíamos ter ido pelo mesmo caminho da ida”, eu saí do carro e fui perguntar as razões daquele bloqueio, aparentemente ilegal, responderam-me com um encolher de ombros e só um homem mais solícito se dispôs a orientar uma passagem entre os carros, ação que não colheu grande entusiasmo entre os presentes. Um dos homens estacionados insurgiu-se contra o comportamento do restante pelotão e defendeu-me, “vocês não podem fazer isto, as pessoas têm de passar, têm o direito de passar” mas pregou para os peixes como Santo António, poucos o ouviram e os que o ouviram até o mandaram passear. Só se mexeram depois dele ter engrossado a voz, três motoristas mais sensíveis abriram um espacinho para que pudesse passar não sem que antes tivesse de passar por um campo de erva e lama, subisse uma ladeirazinha colocada, parecia, de propósito para acudir a situações do género. Soube entretanto que o ajuntamento de carros devia-se a uma feira de automóveis que abria às 7:00 e já todos se enfileiravam para conquistar a melhor posição no recinto. Tive de fazer um safari eslavo com o meu citadino, espremi o carro e passei por entre olhares de esguelha. Mais uma para o diário de bordo.

Cracóvia - Varsóvia Despejados os amigos no hotel para alívio do Fava, inconformado pela camisola da rapariga, tocaram-se os restantes 170km até Cracóvia, apenas (ou mais) três horas que já não consegui cumprir até ao fim. Derrotado e exausto cedi o volante ao Giga quando faltavam 60km, ele que também não estava muito fresco, corria-lhe um fio de baba quando encostei o carro, mas que tinha pelo menos fechado os olhos durante a viagem. Eu já não aguentava a pedalada, não quis arriscar e passei a pasta. Abri os olhos já na circular exterior da capital da Pequena Polónia, sinal que o Gegante tinha levado o barco a bom porto e que em breve  chegaríamos à pousada. Assim foi, o beliche essa manhã soube-me a nuvens, repousei umas saborosas cinco horas até me sentar de novo no carro para a viagem solitária de volta a Varsóvia.

Os munines continuaram a dormir, recuperando energias para a Estrada de Rzeszów para Cracóviaexigente  noite cracoviana e para o segundo jogo em Lviv que era já na quarta. Eu prossegui o meu caminho para Varsóvia onde me esperava a minha querida caminha e o lindo sorriso da Ewa, o bálsamo indicado e adequado para um corpo e uma alma tão desgastados como os meus. Mas claro, faria tudo de novo se pudesse! Não sei é se o meu carro achava tanta piada assim…