sábado, 30 de junho de 2012

Crónicas de Lviv - 5

Centro histórico de Lviv Pelos vistos parámos junto ao centro histórico de Lviv pois do ponto onde estacionámos até à praça da cidade velha foram dois minutos a pé e logo encontrámos um restaurante com ar catita para comermos e bebermos alguma coisa enquanto assistíamos ao Dinamarca - Holanda. A senhora do restaurante, de sorriso nervoso mas amigável, arruma as mesas para sentar as nove pessoas que acabaram de chegar. Eu tento o polaco com o empregado de mesa, um jovem louro e magro demasiado agitado para a freguesia que havia em casa. Ele recusa o polaco com as mãos e diz "inglish, inglish". "All right", respondo surpreendido e peço "can we have seen beers, please?". Ele diz que sim, eu sento-me para ver o jogo, o Fava grita "Beer! Beer!", não deve ter percebido que eu já tinha feito o pedido, as ementas são servidas, tudo em alfabeto cirílico com descrições em inglês nem sempre esclarecedoras. Quase todos escolheram um "piece of the best part of beef", eu pedi uma "Chicken Kyïv" porque em Roma gosto de ser romano. "Bom, e essas cervejas?" pergunta o Xavier espantado.

Passaram-se quase 10 minutos e nada de cerveja, faço sinal ao empregado que responde com um salto de trás do balcão à moda de Shaolin, os olhos azuis quase a saltarem da cara, cada vez mais agitado e tenso. "Beer? Ok, how many?" Começo então a sentir que está algo errado neste filme, já lhe tinha dito que eram sete. Repito o pedido e ele desaparece na copa embora a torneira da cerveja estivesse perto da nossa mesa, no balcão, por detrás do qual ele salta que sem um samurai quando é chamado. Mais 10 minutos, o Fava está pior que estragado e pede uma coisa na lista que ele não sabe o que é, chegam fatias de enchidos, salpicões e linguiças, era o pedido do Fava que chegou rapidamente, de cervejas nem sombra. De repente vejo o empregado outra vez atrás do balcão a olhar para nós como um rato olha nervosamente para os bigodes do gato que espreitam pela toca. "Excuse me", pedi. "What about our beers?" O rapaz dá um pique na minha direção, suava e tremia, pensei que ele tivesse tomado speeds ou que andasse a nadar em estimulantes. "Beer? Ok, how many?" Aqui o Dani levantou-se para fumar, o Giga pregou um barrano de palma da mão no tampo da mesa que meteu a clientela em sentido e abalou porta fora praguejando. Eu saio também para acalmar os rapazes, o Giga preocupadíssimo porque só falta hora e meia para o jogo, o Pimpão com uma calma olímpica junta-se ao grupo depois de ter perguntado aos polícias como ir ter ao estádio, tem boas notícias, diz que autocarro para o estádio é a 400m, o percurso para a Arena Lviv dura não mais que 20 minutos ... e eis que se junta ao nosso grupo o nosso querido empregado, uma vara loura tremendo como gelatina, a pedir fogo. O Giga quase que o engole mas ele é rápido a dizer "one minute, prosto (simples)". Realmente, assim que o rapaz se calou as vozes portuguesas anunciaram o jantar. Correram as reses para a mesa, devoraram (é esse o termo) as rações que lhes foram servidas e engoliram a cerveja morna que finalmente chegou à mesa. A conta pedida imediatamente para evitar mais demoras e o Pimpão, a calma enervante, o rosto inexpressivo, lança a pergunta “Então mas eu não posso beber um cafezinho?”

Arena Lviv Depois de lhe termos prometido porrada, de lhe ameaçarmos meter os dentes para dentro e de responder ao “thank you, come back soon!” da empregada com um “I don’t think so” entre dentes, arrancámos para a praça dos autocarros, um largo completamente desorganizado onde as pessoas sobem e descem dos autocarros sem que se veja uma paragem no horizonte, as camionetas fazem manobras de marcha-atrás no meio do trânsito, os carros que se desviam dos autocarros galgam passeios e mandam os peões borda fora, um campo minado. A chuva caía, tépida e pegajosa, misturava-se com o suor da corrida e do almoço comido à pressa, arfamos ao entrar no autocarro, apertados como conservas. Começo os cânticos com o Giga, parceiro de gritarias adolescentes de Liceu e Alvalade, contagiamos os tugas desconhecidos e alguns alemães tiram fotos. A viagem para o estádio dura os tais 20 minutos feitos sempre com palmas e gritos, provocações amigáveis e ambiente de festa. O autocarro parou num campo de nada, um pântano onde se via um trilho de calçada pouco largo, insuficiente para dar vazão ao caudal de espetadores. Percebemos que tínhamos ficado a um ou dois quilómetros do estádio, ainda tínhamos de andar por aquele caminhito e gramar com pessoas de marcha mais lenta ou, como alternativa, perder o amor aos calcantes e percorrer a distância de patas na lama. Foi assim que chegámos às portas do estádio após uma dúzia de minutos, um pouco na lamoja e outro no cimento. Ouvíamos os clamores das claques, a música do estádio, o speaker em português, duas ucranianas tiramPortugal fotos junto do estádio, o Dani colou-se na foto e elas encantadas, logo o resto da alcateia também se juntou para a posteridade, elas coradas, desorientadas com a concentração de latinos por metro quadrado. De repente um telefonema, o Xavier com uma tragédia: “O Pimpão perdeu o passaporte e o bilhete!” Eu já não tinha bateria, o Giga tinha o telefone dele desligado e já ia a 100 à hora disparado para a bancada, o Rui nada dizia, o Fava encolhia os ombros e o Dani estava mais concentrado nas ucranianas. Ninguém ficou surpreendido com a notícia, o Pimpão é um cabeça de vento e já tinha perdido o telemóvel em Varsóvia, adiante que vai jogar Portugal e o Pimpão que volte ao restaurante. Temos pena.

O jogo correu como correu, onze contra onze e no final ganhou a Alemanha. No fim, à saída do estádio, encontrámo-nos com o Pimpão que revelou não ter encontrado o restaurante, um doidivanas destes que não deu com o restaurante que fica em linha reta a partir da praça de autocarros. Voltámos, suados, afónicos e frustrados com a derrota injusta. Percorremos os caminhos até ao malfadado restaurante e lá estavam passaporte e bilhete, o empregado inquieto talvez pensasse que nos ia ter de aturar outra vez, fugiu para trás do balcão por onde espreitava como um coelhinho assustado. Eu fui para a praça  do mercado comer um hambúrguer e ver a festa que os alemães estavam a fazer, à nossa Golo da Alemanhacusta, cabrões! Uma ucraniana acerca-se de mim e pergunta: “Sorry, you from Portugal?” Apeteceu-me responder mal e dizer que era das Ilhas Comores ou do Nepal mas ela estava tão sorridente e emanava tanta simpatia que não consegui fazê-lo e disse a verdade. Ela quase que explode de alegria e excitação e dispara uma série de perguntas, se gosto de Lviv, como é que eu estou a ver a organização ucraniana do certame, o que foi que eu visitei até agora, impressões, enfim. O namorado (ou amigo dela) quase que me obriga a beber uma vodca com ele, eu delicadamente recuso com “spasibo” consecutivos porque ainda tenho de conduzir de volta para Cracóvia, a minha nova amiga de Lviv levanta-lhe a voz e ele desiste. Ela continua com perguntas e eu respondo à medida que a paciência permite, sinto-me como uma ave rara, um animal exótico. Um ucraniano que fala espanhol e polaco oferece dormida num apartamento recém-renovado, falamos em polaco e ele surpreende-se com o meu nível, dá-me murros de contente “kurwa, ja ty dobrzy mówisz po polsku, ja jebie!” e prega-me outra punhada, estranha forma esta de se mostrar amistoso. Passa o Tiago Teejay, o manhoso aproveitou que ia ver o jogo e marcou uma atuação numa discoteca da cidade. Bem trabalhado.

Os munines comem os hambúrgueres de forma pastosa, o ucraniano continua a dar-me socos, a miúda de Lviv metralha perguntas, os alemães cantam cada vez mais alto, a chuva volta.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Crónicas de Lviv - 4

Escudo de Lviv A estrada para Lviv é um consolo, uma via rápida larga e lisa, sem buracos nem remendos, um bálsamo para a suspensão do carro e para as costas dos passageiros. 70km naquelas condições fazem-se bem, até se pode puxar um bocadinho pelos cavalos para compensar o atraso na Polónia e na fronteira. O caminho é feito por prados delimitados por árvores longínquas e riachos tranquilos, viaja-se com tranquilidade e pela primeira vez desde há muitas horas os munines sentem-se mais calmos, abrem as janelas para deixar o ar fresco lavar o ambiente, não resmungam e até gozam a paisagem eslava, cenário que não existe no Algarve. "Já imaginaram que daqui a quatro meses isto vai estar com um palmo de neve?" atiro eu para quebrar o gelo. Todos concordam a meia voz, estão mais calmos mas não totalmente, precisamos acelerar para evitar percalços.

Passamos por uma aldeia, pobre como todas aquelas pelas quais passaremos no caminho. Crianças de 5, 6, 8 anos estão à beira da estrada e acenam bandeirinhas da Ucrânia gritando à nossa passagem, nós respondemos buzinando e mostrando cachecóis e bandeiras deLviv - O Mercado Portugal, bonito de se ver. Outra aldeia e mais crianças, mais bandeirinhas, cumprimentos e acenos, buzinadelas e gritos por Portugal. Um velhinho está entre as criancinhas no passeio da estrada e ergue dois braços unidos em cima da cabeça pelas mãos, vê-lo trouxe-me uma ideia terrível, como se ele vitoriasse e agradecesse a nossa chegada, como se nós o viéssemos libertar, como se lhe trouxéssemos esperança. Passa um senhor numa bicicleta ferrugenta, roupas modestas mas a mesma simpatia no aceno e no sorriso. Os muninos apaudem divertidos, eu buzino e tento vislumbrar o horror da história recente nos gestos desta gente, pessoas humildes mas ricas de simpatia e hospitalidade, recebem o turista com prazer, não parecem desconfiados nem reservados, pelo contrário. As aldeias sucedem-se e os nomes estranhos também, coisas escritas em cirílico como Новояворіськ, Івано-Франкове, Підрясне e por fim Львів – Lviv

Lviv entrada Chegamos a Lviv, aqui moram mais de 750.000 pessoas e dizem dela que é a melhor cidade ucraniana para se viver, segundo uma publicação da Focus de 2009. Considera-se Lviv a cidade mais bonita da Ucrânia. Se é verdade, então eu não quero conhecer as outras. A entrada ocidental de Lviv pela M10, a via que nos trouxe, dá-nos a conhecer uma cidade envelhecida, degradada, triste e depressiva. Prédios de cinco e seis andares com reboco a cair cujos tijolos estão à vista e à disposição das alterações climáticas, as varandas perderam parte do cimento e ficam com as grades à mostra como gengivas atacadas de escorbuto, mato a crescer no passeio, uma tristeza. A rua Shevchenka, apelido célebre neste país, é uma artéria estragada pelo abandono dos responsáveis e governantes, pela falta de alocação de verbas para a renovação das rodovias, dá uma péssima imagem ao visitante. Piso irregular de paralelipípedos que castigam a suspensão do A180, piso que sobe no carril do elétrico e desce no restante da traça, eu sem saber por onde conduzir e o Fava que manda “vai sempre em frente, puto. Sempre em frente”, ele promovido a navegador uma vez que o meu GPS só me ajudou até à fronteira. O carro pulava nervosamente naquele trilho de bestas, roçava, raspava e chorava, eu chorava com ele, cada golpe no carril, cada depressão no terreno, cada murro na suspensão eram também sentidos por mim. O Fava grita “vira agora à esquerda”, eu abrando e pergunto-lhe “mas como?”

O entroncamento não tinha semáforos, não tinha faixas pintadas no chão, circulavam quantos carros coubessem mais os autocarros e as linhas se elétrico que por ali se cruzavam. Nasciam automóveis de todas as direções e sem a mínima noção de ordem ou regra, as pessoas toureavam os elétricos para passarem para o passeio oposto. Quem já conduziu no Arco do Triunfo em Paris que eleve a sensação ao cubo. Buzinavam-me para que avançasse mas eu não via frestas, um motorista menos paciente ultrapassa-me pelo lado onde eu pensava que estava umLviv caminho para o centro autocarro e não coubesse mais nada. Fecho os olhos, mordos os lábios, murmuro um “perdoa-me, cavalinho” e enfio-me no redemoinho de carris, pedras e trânsito. O carro salta, guincha, escoiceia mas sobrevive à tortura, nem um risco (por fora porque por baixo devia estar em carne viva). No semáforo seguinte encontrámos o bar onde supostamente estava malta de Faro e por milagre, dez metros à frente, um lugar para estacionar certamente criado pelos deuses do automóvel que tiveram misericórdia do meu carrinho e guardaram aquele benzido espaço para que ele descansasse e lambesse as feridas.

Saímos do carro, o ar estava húmido e doce. O Dani já tinha estacionado mais atrás, eu olho para o carro e peço-lhe desculpas, ele não me quer ouvir, diz para eu me ir embora. Assim faço. Temos duas horas para o jogo começar e ainda temos de arranjar um lugar para comer.

No bar já não há ninguém de Faro, só alemães. Ao virar a esquina olho de novo para o meu carro e quase que jurava que o ouvi soluçar.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

terça-feira, 19 de junho de 2012

Crónicas de Lviv – 3

Lviv! O carro quase que nem arrefeceu e deve ter acordado assarampantado com a pressa, ele que pouco habituado está a estas corridas - passa 4/5 dias por semana a dormir na garagem. “Lá vêm os gajos outra vez” pensou. Os mesmos gajos que o fatigaram no dia anterior já lhe estavam a abrir portas e a enfiarem-lhe coisas no porta-bagagens estava ele sossegado a dormir, isto pouco passava das 10:00. Nem os bons-dias lhe disseram e já tinha outra longa estrada para engolir, esta ainda mais aborrecida que a anterior, a estrada de Cracóvia para a fronteira com a Ucrânia. Ainda por cima a rapaziada não estava na melhor das formas, o Giga mal dormido, o Fava com o chassi ainda amolgado das escalas aéreas do dia anterior, o Rui com as pernas amarrotadas de ter estado no banco de trás do carro, o Xavier e o Pimpão porque partilharam o quarto com duas canadianas - nunca se soube o que aconteceu, talvez nunca se saberá - e eu ainda ligado à corrente depois da despertina de Red Bull e trompetes. O Dani encolheu-se à meia-noite e por isso estava fresquinho a contrastar com o bolor dos outros companheiros de viagem. Era este o estado do plantel quando se lançaram ao caminho.

A paisagem é diferente das planícies da Mazóvia, agora é mais feita de rios e montes, casinhas aninhadas nas encostas e bosques frondosos a  ladear a estrada estreita que ginga pelos sopés. É escusado recordar o martírio que é circular nestes caminhos claramente impreparados para o caudal de turistas da bola que rolava em si. Radares, semáforos, camiões, pavimento em mau estado, curvas apertadas, tudo o que possa protelar o trânsito foi cuidadosamente colocado naquela estrada. O computador de bordo do carro indicava uma velocidade média de 53km/h, andávamos a pisar ovos e o Giga começa a enervar-se, "Foda-se pá! Vamos chegar atrasados! Eu já sabia, devíamos ter saído às 8 ou às 9!", a eterna mania de querer uma noSubcarpácia papo e duas no saco ou a vontade de aproveitar a noite de Cracóvia até à última e ao mesmo tempo arrancar para Lviv pela fresquinha. O Fava finalmente aborrece-se e manda um par de gritos para o Giga se calar, o Rui continua amarfanhado no banco de trás sem tugir nem mugir, eu bebo um golo de água enquanto faço os meus cálculos, mais 50km até Rzeszów onde vamos apanhar um casal amigo, dali 85km até à fronteira e a partir daí o GPS não ajuda. Tento tranquilizar as hostes, que temos vagar mas a passagem por mais uma vila, Jarosław, desespera de vez o Gegante, 1,90 e 90 e tal quilos de impertinência no lugar da frente, já vai contagiando as pessoas e até eu começo a fazer contas se sumir em vez de somar. Apanhamos um funeral, mau sinal para as minhas fés, mas a seguir um casamento, o que neutraliza o mau presságio. Livramo-nos da vila, caminho livre até à capital da Subcarpácia onde recolhemos o tal casal, ele vestido à português e ela com uma camisola... alemã. O Fava dá um salto, "Moss, mas a gente vai levar inimigos para o jogo? Essa gaja fica já aqui, que merda é essa?!" Eu respondo que eles ajudam no orçamento da gasosa e a fera amansa. No outro carro, o Pimpão conta que desejou boa sorte aos noivos do tal casamento e eles meteram-lhe uma garrafa de vodca pela janela do carro, Wyborowa, foi o rir. Tudo bem, vamos lá para a Ucrânia de vez.

Trânsito na fronteira Finalmente estrada limpa de trânsito mas sem grandes velocidades devido às patrulhas pelo caminho, a 1km da fronteira vê-se uma fila imensa de carros, imóveis, pessoas fora dos carros a comer e a fumar. O Giga, a tensão quase a 22/13, inquieta-se e já não tem posição no banco da frente, aproximamo-nos da fila e vemos indicações para um corredor criada especialmente para os possuidores de bilhetes do Euro2012. Um guarda fronteiriço polaco pergunta: “Match?” e dá-nos uma credencial para passarmos à frente daquela manada toda, a temperatura dentro do carro arrefece um pouco. Alguns metros à frente, o controlo ucraniano, uma guarda de cabelo moreno apanhado atrás, farda militar, chapéu de polícia com uma pala de um palmo de altura, olhos escuros e sérios cravados num rosto esteticamente perfeito mas sem expressão, estica o braço e ordena rispidamente: “Passports! Papier auta!” enquanto verifica a matrícula do carro e rabisca um talão que há-de me dar mais tarde. O Rui abre a boca pela primeira vez em 6 horas: “Oi, a gaja é gira” e eu provoco: ”Metes-te com esta gente e vais para o calabouço passar uma semana a pão e laranjas” A malta ri, estamos bem dispostos mas os passaportes não voltam. Passam-se cinco, dez, quinze minutos e já estamos fora do carro a esticar as canetas. O Fava tem a infeliz ideia de tirar fotografias ao posto fronteiriço: “Bora lá, maltinha! Junta aí para a primeira foto na Ucrânia”Ucrânia mas logo surge um fiscal expedito a reprovar a ação: ”Niet! Foto niet!”. É óbvio, estamos num local de extrema importância estratégica e as fotografias não são autorizadas. Mais um cigarro, o Dani precisa de pôr gasolina mas ouviu dizer que não se deve usar a primeira bomba depois da fronteira porque o combustíve é de má qualidade, mais uma das muitas coisas que se ouviu da Ucrânia, a terra de todos os medos e mistérios. A guarda volta com os passaportes, diz qualquer coisa em ucraniano que podia ser um elogio ao meu penteado ou que eu cheirava mal da boca mas despede-se com um “Good luck” e um sorriso que limpou o céu e a nossa mente de todo o tipo de nuvens e preocupações. Aquele sorriso iria iluminar o nosso caminho para Lviv, a viagem e a estadia iam correr bem, a vitória seria nossa, força Portugal!, que os munines já entraram na Ucrânia.

sábado, 16 de junho de 2012

Crónicas de Lviv – 2

Cracóvia - Praça do Mercado Para falar a verdade, o plano não era mais que um jantar e um copo, coisa tranquila e sem muita variação porque o dia seguinte ia ser exigente e foi nessa base que o pessoal se preparou. Ao princípio a fome determinou que chegássemos à pousada, arreássemos as coisas e arrancássemos para o restaurante do costume devorar os bifes com dois dedos de altura que eles normalmente servem, mas tivemos de esperar pelo Fava que fez a viagem por outra rota. Também a morosa viagem pedia um duche que renovasse a pele e o espírito e por isso reivindiquei banho ainda que eles protestassem. Borrifei-me para a opinião deles, enrolei toalhinha à cintura, champô e chinelos, barbeei-me e voltei fresco como uma alface quando, qual não era o meu espanto, vejo os companheiros de quarto, Fava, Giga e Rui, a puxarem das bolsinhas dos cosméticos e a prepararem-se também para lavarem as partes, os manhosos viram que era boa ideia e foram refrescar-se. Eu avancei com o Dani para o restaurante e servi-me duma cervejinha.

Cracóvia é uma cidade encantadora, sempre foi e sempre há-de ser. As charretes que passeiam casais de apaixonados na praça do Mercado, a Basílica de Sta. Maria continua a providenciar o toque da hora certa mais popular do país. O ar é diferente, mais leve do que em Varsóvia, as pessoas têm expressões mais ligeiras, gestos mais demorados, a velocidade das coisas é outra, mais pausada e por isso mais saudável. Sentar numa esplanada de Cracóvia é um prazer para os cinco sentidos, é admirar uma cidade-princesa que o rio Vístula banha com prazer, as suas margens são bonitas e frondosas, foram concebidas para virar a cidade para o rio e não como em Varsóvia em que o Vístula serpenteia em bancos de areia agreste, fauna selvagem e degraus de pedra cheios de limos como se a cidade considerasse o rio mal-vindo. Os munines foram chegando a conta-gotas, primeiro um e depois outro, já duas mesas de portugueses tentavam meter conversa conosco, a conversa parva do tuga turista – o pior turista do mundo – que imediatamente fez menção aoCracóvia - Castelo de Wawel facto de “nós alugámos um charter!” como se o forro da carteira medisse o entusiasmo e fosse barómetro de apoio às cores nacionais. Começaram então, estes tristes, a entoar umas estrofes do hino nacional para exibir algum pseudo-patriotismo e mostrar que os portugueses são assim mas eu não embarco em festivais de cultura pimba e recusei alinhar pelo motivo de não cantar o hino numa esplanada de restaurante sem uma razão plausível. Admiraram-se, um mais entrado na idade travou-se de argumentos comigo, que era uma questão de entusiasmo e eu tive de responder que não precisava de embarcar em foleirices para demonstrar entusiasmo e que não era preciso ser-se piroso para apoiar a Seleção. A coisa morreu ali, eles bateram a asa meio azedos conosco, o Pimpão admirava-se com o tamanho da imperial, muitos gregos, espanhóis, italianos e polacos proocavam-nos amigavelmente e depois do jantar apontámos a agulha para as discotecas.

Não foi longa a borga. O Dani, graças aos conhecimentos adquiridos durante o período que trabalhou em Cracóvia, conseguiu infiltrar-nos num dos bares mais elegantes masiada desproporção homens/mulheres, uma festa do bombeiro por serem tantas as “mangueiras” na boîte. Juntou-se o desgosto de não se poderem ver aquelas polaquinhas carinha de porcelana, cabelos de mel e pernas de mármore de que rezam os manuais com o cansaço duma noite mal dormida e de uma viagem cheia de trancos e solavancos para que a impertinência começasse a tomar conta do pessoal e que todos os irlandeses, espanhóis e tropa do género incomodassem mais do que deviam. Ainda virei um par de vodcas-Red Bull para estimular o organismo e motivar o miolo mas o cadáver estava a precisar de cama, às 3:00 atirei a toalha ao tapete saturado daquele mar de homens e bazei para a pousada. Queria descansar, queria dormir para estar preparado para a invasão à Ucrânia, os Lusitanos em terra de Cossacos, ia ser uma deslocação enorme, exigente e cansativa e precisava de estar em forma.

Deitei-me e rolei na cama vezes sem conta. O Red Bull não me deixava adormecer, fazia envolvimentos Coentrão-Ronaldo, marcava cantos para a cabeça do Bruno Alves, constituições de equipas, Postiga ou Almeida. Rebolava-me desperto e desesperado, o Fava roncava, o Giga parecia uma múmia, o Rui não se mexia, todos a recuperar dos quilómetros e das cervejas do dia e eu naquela rabugice sem me dar dormido com mais quase 400km para fazer no dia seguinte.

O sol já entrava no quarto e clareava as paredes, mais um obstáculo ao sono. O trompetista tocava aos quatro pontos cardeais pontualmente a cada 60 minutos, agarrava-me à lucidez e não me permitia cochilos. O dia cada vez mais claro, eu cada vez mais irritado. Toca o relógio, eram nove da manhã. Os moços acordam cozidos em sono e álcool e eu ainda não tinha pregado olho. Não importava, tínhamos de nos despachar porque a Ucrânia, essa terra longínqua e misteriosa onde jogava Portugal, não era fácil de penetrar.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Crónicas de Lviv - 1

Este é um ciclo de artigos consagrados à viagem que eu e alguns companheiros (Giga, Rui, Dani, Pimpão, Fava, Xavier) fizemos de carro a Lviv na Ucrânia para assistir ao vivo ao Portugal – Alemanha. Como se tivéssemos ido na Nau Catrineta, há muito para contar

Cu de JudasA principal desconfiança tinha a ver com a estrada porque a lendária reputação das péssimas estradas polacas já chegou a Faro e estes rapazes vinham avisados do martírio que é fazer qualquer viagem rodoviária neste país. Porém não se assustaram com o primeiro troço, Varsóvia – Radom, 100km feitos em via rápida e a ouvir relatos de futebol em polaco, com uma paragem a meio para umas frescas de ocasião e para acompanhar a última vintena de minutos do jogo inaugural do certame, o Polónia – Grécia. Preços de amigo por estarmos já fora da Cidade Capital, combustível mais barato, tanto o do carro como o do fígado, bom para quem ganha em zlotis e melhor para quem traz euros. Cerveja bebida, intervalo no jogo, os carros cheios de novo em direção a Kielce.

Começa o festival das estradas polacas só de uma via para cada lado, faixas estreitas e congestionadas por camiões e condutores mais lentos. Os polacos dizem que são bons condutores porque têm más estradas, nunca compreendi essa teoria mas comecei a perceber do que falam Nacional 7 quando vi a fazer ultrapassagens em traço contínuo, travagens depois do último instante, colocarem-se entre o carro da sua mão e o camião que vinha em sentido contrário num constante desafio, chamando o acidente, testando a paciência da morte. Eu vi-me na contingência de pisar duas ou três vezes o traço, confesso, mas se não fosse assim tinha demorado o dobro do tempo na viagem e quando estamos em Roma temos de fazer como os romanos. Não aconteceu nada de especial, nenhum susto, o risco foi calculado e assim por entre vilas e aldeias, chegámos ao último terço da viagem, o troço Kielce – Cracóvia.

Mapa da Nacional 7 Aqui tivemos um rebuçado antes do limão, uma razoável fatia do que se pretende que venha a ser a autoestrada Varsóvia – Cracóvia já está disponível para os automobilistas e foi uma alegria carregar no pedal até ver o ponteiro roçar os 160km/h, um escape, um alívio daquele trânsito lento e pastoso das aldeias polacas. O irmão do Giga até exclamou de contente “Epá! Afinal as estradas não são assim tão más” Cedo piaste, logo os sinais das obras, estreitamentos de vias, baias e pinos, rotundas provisórias e o velocímetro a baixar para os 60km/h. Um desespero, acentuado pelos radares de controlo de velocidade que existem a cada 5km e que te fazem travar quando vais lançado para compensar a seca anterior. Uma sensação de coito interrompido, uma trampa. A ligação a Kielce está em pantanas, é um estaleiro, as máquinas de desbaste e terraplanagem descansam enquanto os operários vêem a bola, Kielce vê-se ao longe, enevoada e cinzenta, quer que nós passemos por lá, que falemos com ela porque ela não recebe tantos visitantes assim mas nós não temos interesse nenhum no desvio, ela também não tem nada para nos dar que nos faça falta e nós continuamos naquela procissão de gado sobre rodas, cumprindo obedientemente aquele ritual de fazer perder a paciência aPiso de estrada polaca um santo. Mas tem de ser e o que tem de ser tem muita  força, passámos Kielce e entrámos na pior parte que são os últimos 20/30km até Cracóvia, uma sucessão de buracos, curvas apertadas e caminhos de cabras, piso abatido pelo peso dos TIR e pela má qualidade do asfalto da Estrada Nacional 7 que rasga a Polónia de norte a sul, de Gdańsk a Chyżne na fronteira com a Eslováquia, incríveis os acessos à capital cultural da Polónia, inacreditável o contraste entre a beleza da cidade e a misérias que são os caminhos que dão a Cracóvia pelo norte. Depois de muitas paragens para o inevitável xixi, cigarros anti-stress e pausas para espreguiçar a moleza, cansados e maçados atingimos o nosso acampamento em plena praça do mercado principal. E a cidade do Wawel continua linda, o cansaço passou, era tempo de tomar banho, mudar a farpela e apalpar o pulso à noite de Cracóvia.

Cracóvia

terça-feira, 5 de junho de 2012

Tem a palavra…

… o vosso humilde escriba que assim se referiu ao alegado problema do racismo dos adeptos polacos.